Todo dia, no finzinho da tarde, ele cantava encantadoramente em um arbusto à porta de casa. Passei a observá-lo com mais acuidade, ao longe, e percebi: assim o fazia após o último raio de sol. O canarinho-da-terra parecia dobrar o canto — tive vontade de gravá-lo, tão rico era o trinado. Mas, para quê? — pensei. Para mostrar a um especialista? A graça estava em memorizá-lo, em reconhecê-lo como um canto diferente, diverso daquele que se ouvia à beira do Piabanha, na minha infância, vindo de um bando de canários-da-terra da fronte bem dourada. Mas esse canarinho que vinha à porta dessa casa de veraneio no Cassino tinha identidade: reconhecia-o pelo canto peculiar, pela cor, pelo hábito de pousar no mesmo galho, sempre à mesma hora.
No mesmo horário
um canário
anuncia o fim do dia.
Cantando, um canário,
anuncia o fim do dia
e um novo cenário.
(26.01.2005)
Aquarela de Lígia Zeola Vieira
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