sexta-feira, 19 de outubro de 2018

SOBRE A NATUREZA DO TEMPO


(em parceria com o poeta Sidnei Olívio*)




Lento: 
Tempo. 
Vida. 
Lida. 


Tempo.... vida... LIDA... tempo... 


ÁGUA. 
Lago. 
Hidro. 
Vida. 


Vidro: 
Tempo ido: 

Anidro. 


Cada minuto que passa 
no tempo que se percebe 
cai no lago que se bebe 
e no tempo se disfarça. 
Se pusermos uma mordaça 
n’água que de si escorre 
nem assim o tempo morre 
ou sequer se evapora... 
– O tempo morre na hora 
em que a vida se estilhaça? 


A vida encerra o momento 
– tempo de reproduzir, 
lida de restituir, 
nas vidas, o pensamento... 
Cada segundo: um momento. 
Cada momento segundo 
indo pro lago fecundo 
é, na verdade, o primeiro 
filho do pai derradeiro 
– eterno renascimento. 


A vida é como uma vidraça 
que brilha... guarda... que embaça... 
Quem sabe seja uma taça 
sorvendo o tempo que passa... 
Ou talvez uma barcaça 
de vidro sobre o profundo 
lago que contém o mundo... 
O que sei vale por ora: 
o tempo escorre na hora 
em que a vida se estilhaça. 


Veio da água 
a vida veio 
e até hoje se mantém 
um veio d água 
veia via vida 
contém 
a vida ávida de água 
a água cheia 
cheiro chuva 
de vida. 


O tempo é um cometa ultra-sônico 
relâmpago diário/pêndulo a jato 
difícil manter-se nas horas 
sorver os minutos 
gota 

gota 
na maré da vida. 
Num ritmo alucinante 
os anos passam, a idade... 
término-início tão inseparáveis 
que é quase impossível distinguir 
aurora e crepúsculo 
neste sonho real. 

10 
Quem pode medir o tempo 
pela régua do destino? 
Quem, senão o autor divino 
pai das águas e do vento 
criador do firmamento 
fabricante genuíno 
de um sistema pequenino 
que rege todo o universo 
comprovado em prosa e verso 
chamado renascimento? 

11 
Quem medirá o calor 
e a luz do quinto elemento 
que percorre o firmamento 
dos olhos do trovador 
no sopro do criador 
– fabricante genuíno 
de um sistema pequenino 
(molecularmente imerso) 
que rege todo o universo 
contido em todo menino? 

12 
Os tempos que estão na Terra 
são água em outros planetas. 
É no núcleo dos cometas 
que o tempo em gelo se encerra. 
Liquefaz-se quando enterra 
seu semblante na latência 
dos mundos em coexistência 
– eterno derramamento. 
O tempo e os seus comprimentos 
dependem da consciência. 

13 
É na soma de momentos 
que o tempo se faz senhor. 
O desprezível vapor 
que desce do firmamento 
é soma e desprendimento 
preenchendo o mais vazio 
leito com seu poderio, 
derramando-se em três planos. 
A gigantez do oceano 
depende dos tortos rios. 

14 
São gotas d’água que marcam 
o tempo dentro da gente 
e a seca e também a enchente 
e a alegoria da arca. 
O tempo é o ente que abarca 
tudo e todos em um maço, 
feito a matéria do abraço. 
Sei que em cada nascimento 
repete-se o grão momento: 
tempo-vida... tempo-espaço. 



_______________

* Poema sem tempo-espaço (em construção). 

Autores:
Paulo Robson de Souza, Campo Grande, 1998 / 2002.
Sidnei Olívio, São José do Rio Preto, 2002. 

Publicado originalmente em Usina de Letras (julho de 2002)



quinta-feira, 11 de outubro de 2018

DAQUI A CEM ANOS




Cordel baseado em trechos da crônica
Atento à delicadeza da vida”, do Frei Betto 
(que tive acesso via whats app).

Para Claudio Vereza.



                        Na jornada para dentro
                        Da subterrânea mente
                        Revolver o chão canteiro
                        E esperar pela semente
                        Terna, pura, indescritível,
                        Que Deus deixou para a gente...




Diz o poeta da prosa
(Que aqui cito com rigor ─
O filósofo Frei Betto)
Que o incontestável amor
É sempre terno; é eterno...
E que o Outro é o fundador
Da mais certa identidade;
Semente que sai da flor.

E que daqui a 100 anos
Toda pressa será só
Inútil mudez no tempo ―
Porque o Tempo não tem dó ―
Seremos só deslembranças;
Corpos mudos; puro pó...

Findo um século seremos
Bactérias, o fermento...
Flor num campo sem colheita...
Flauta na boca sem vento...
Transmutada natureza...
E do réptil, alimento...

Nós temos bilhões de anos
Nesse transmutar, imersos.
“Eu existo, coexisto,
Subsisto em Universo”
Diz o poeta da prosa;
Eu confirmo aqui, em versos.

De fato, na entropia
Não existe um outro plano:
Logo, ao pó retornaremos ―
Átomos, matéria nano... ―
Ao morrer seremos gotas
Indistintas do oceano.

Mas, então, o que fazer
Ante a certeza do fim?
Recatar ansiedades
Ao se cuidar de um jardim
Pois a pressa é dos que morrem
Sem se anteverem capim.

Enxergar delicadezas
Da vida sempre a florir
Antever, daqui a cem anos
Uma criança a sorrir
Por ter colhido uma flor
No que sobrou do existir.

        (No recôndito do espírito
        Tudo, tudo é liturgia:
        A janela aberta ao vento...
        A manga que doura o dia...
        O mistério do momento
        Que o verbo se faz poesia...)

Olhar para nuvens prenhes
Se o corpo se faz deserto...
Esperar pela semente...
Ser canteiro descoberto...
Pois, exceto Deus ― morada
Terna do amor ― e mais nada
Dura pra sempre, decerto.

Paulo Robson de Souza
Da série Poesia Todo Dia! 22.1.2018