sexta-feira, 23 de março de 2012

O MAR (55 trovas populares)


1.


2.
A tormenta entra no cio
e dança com o vento frio
quando o mar tem arrepios
provocados pelo rio.

3.
Todo dia, após o açoite
do vento no sol vazio,
todo mar, todas as noites
é o sono de todo rio.

4.
A poesia é desperta
quando o mar é penetrado
– na nua praia deserta –
pelo rio quente, cansado.

5.
Há profunda calmaria
no ventre da brisa quente
quando o mar, doce, vigia
o leito do rio dormente.

6.
O mar espanta a tristeza,
desmancha as coisas ruins
e refaz toda beleza
que se desprende de mim.

7.
O mar fertiliza a História
enche cada dia de glória
pois tempera a humanidade
desde as primeiras cidades.

8.
Se o mar não está para peixe,
fique tranquilo. Então deixe
que se faça da poesia
diferente pescaria.

9.
Mar: fecundo precipício
fincado na escuridão.
Líquido alimentício
da vida em evolução.

10.
Mar: fecunda superfície
deitada na claridade
que transforma as imundícies
em verde longevidade.

11.
É o mar cadente véu.
É o brilho que descerra
o céu no espelho da Terra
– fim e princípio do céu.

12.
É o mar eterna fonte
dos poetas aguacentos
de rumos, ondas... sedentos
de infindáveis horizontes...

13.
É o mar céu debruçado
pelo teu deslumbramento.
É o anil precipitado
por sensível pensamento.

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[Seção Os sentidos]

[Gustação]

14.
Sedento da água salgada
neste planalto cerrado,
bastaria-me uma pitada
para eu ficar mareado.

15.
Com fome de litoral
neste Planalto Central,
busco o sal nas lanchonetes
das ondas da internet.

[Olfato]

16.
Deitado na terra quente
penso que minhas narinas
são poços secos, carentes
do cheiro azul das marinas.

17.
Folhas caídas na lama...
Cheiro bom de maresia...
Vive a sulfídrica cama
da síntese de poesia?

18.
O gás de ácido nome
corrói a matéria viva,
ou é o tempo que consome
a matéria reativa?

19.
O vento leva a lembrança
do mangue reelaborando
a matriz da substância
viva, que vai... caminhando!

20.
O vento é o rastro do dia,
o espaço-tempo na via...
Faz piruetas com o ar,
muda o tempo de lugar...

21.
O vento é o rastro do dia.
É o espaço translocado
para o vácuo que seria
por outro espaço ocupado.

22.
O vento é um grande avião,
muda o espaço de lugar:
leva, ao mar, seco sertão
e, ao sertão, frações de mar.

23.
O céu é matéria errante
– apesar das evidências.
Erra quem não tem ciência,
erra quem vive distante...

[Tato]

24.
O tempo molda o momento
segundo a necessidade.
Fibra em morno sedimento
deixa o tempo sem vontade!

25.
Traças descrevem o momento
do tempo e do temporal
nas folhas do sedimento
que cultiva o manguezal.

26.
Feito um íntimo carinho,
a luz dourada descerra
a pele verde da terra
e o vento alisa o marinho...

27.
Noite mal dormida. A vaga
tocando a praia que traga.
É ressaca. É o arrepio
da onda em manhã de frio.

28.
Tateio as curvas da praia
deste rio Aquidauana...
Quase em terras paraguaias
sinto em mim... Copacabana!

[Visão]

29.
Queria ter uma janela
neste céu do Pantanal
para dar uma olhadela
no verde do manguezal.

30.
Nas fazendas alagadas
o saudoso ribeirinho,
com as pupilas mareadas,
busca cavalos-marinhos.

31.
Descortinando a janela
que mostra um seco caminho,
negras retinas são tela
carente do azul marinho.

32.
Vejo nas secas pupilas,
neste tórrido altiplano,
poços de luz – clorofila –
dentro do azul oceano.

33.
Olinda, se você for
num mergulho Salvador
às pupilas dos meus olhos...
cuida os Recifes. Abrolhos.

[Audição]

34.
Com o ouvido ressecado?
É meu desejo melhoras:
recomendo ouvir um fado
nas azuis ondas sonoras.

35.
O derradeiro sentido
a morrer é a audição...
Quero morrer no estampido
grave da arrebentação!

[Sexto Sentido]

36.
Sob a cama de aguapés
deste Mar dos Xarayés
pressinto um pétreo oceano,
morto há seiscentos mil anos.

37.
Há, sempre, portos seguros
depois do horizonte escuro
quando se busca o incontido
clarão do sexto sentido.


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[Seção Música]

38.
O mar abriga tesouros
que só compram o que é sublime:
é o primeiro logradouro
das cantigas de Caymmi!

39.
Certas peças musicais
são uma gema, água-marinha:
preciosas, imortais,
já nascem prontas, limpinhas...

40.
Há pérolas musicais
que, de natureza rústica,
nascem em modestos corais,
dentro de conchas acústicas...

41.
De tão nobre, a “Princesinha
do Mar” foi presenteada
com uma pérola criada
por nosso nobre Braguinha.

42.
É no mar que nascem os fados?
Na despedida do amado?
Tão pouco sei! Investigue
a voz de Amália Rodrigues!

43.
Foi do mar que veio a vida,
da evolução comprida:
eras, mil tons, nascimentos,
feito Miltons Nascimentos.

44.
Nasce o mar no pensamento
da cantiga popular,
pela voz do Nascimento,
“quem me ensinou a nadar...”.

45.
Tom procurando paisagens!...
Tom eternizando o Rio
que é mar/avilha, miragem...
a paisagem no cio.

46.
A praia refaz suas cores
nos adornos populares
cantorias e tambores
das congadas de Linhares.

47.
O banzo do mar se acaba
quando as praias capixabas
vestem-se de cores, jongo,
ligando o Brasil ao Congo.


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[Seção “Eles passarão. Eu, passarinho”.]

48.
Quisera saber domar
um galope à beira-mar...
Sem esforço elaborar
poesia popular...

49.
Quisera saber voar...
Frente à grandeza do mar
com asas de passarinho
fazer versos miudinhos...

50.
Quisera saber toar,
improvisar meu mundinho,
pôr um martelo miudinho
na cadência deste mar...

51.
Quisera fazer versinhos
com a pena do passarinho
Patativa do Assaré,
na brancura da maré.

52.
Que meus versos mareados
– que se querem agalopados –
apeteçam-se do ninho
do poeta-passarinho.

53.
Disse o bardo do além-mar,
nos seus versos tão precisos:
é preciso navegar
– sim! –, viver não é preciso.

54.
Disse Mário, do Guaíba:
passarão. Eu, passarinho.
Respondeu-lhe rapidinho,
do Assaré: eu, Patativa.

55.
Era a mini patativa
do Assaré – um rio pequeno...
Tornou-se gaivota... altiva...
rumo ao oceano pleno. 


(2002)

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