1.
2.
A tormenta entra no cio
e dança com o vento frio
quando o mar tem arrepios
provocados pelo rio.
3.
Todo dia, após o açoite
do vento no sol vazio,
todo mar, todas as noites
é o sono de todo rio.
4.
A poesia é desperta
quando o mar é penetrado
– na nua praia deserta –
pelo rio quente, cansado.
5.
Há profunda calmaria
no ventre da brisa quente
quando o mar, doce, vigia
o leito do rio dormente.
6.
O mar espanta a tristeza,
desmancha as coisas ruins
e refaz toda beleza
que se desprende de mim.
7.
O mar fertiliza a História
enche cada dia de glória
pois tempera a humanidade
desde as primeiras cidades.
8.
Se o mar não está para peixe,
fique tranquilo. Então deixe
que se faça da poesia
diferente pescaria.
9.
Mar: fecundo precipício
fincado na escuridão.
Líquido alimentício
da vida em evolução.
10.
Mar: fecunda superfície
deitada na claridade
que transforma as imundícies
em verde longevidade.
11.
É o mar cadente véu.
É o brilho que descerra
o céu no espelho da Terra
– fim e princípio do céu.
12.
É o mar eterna fonte
dos poetas aguacentos
de rumos, ondas... sedentos
de infindáveis horizontes...
13.
É o mar céu debruçado
pelo teu deslumbramento.
É o anil precipitado
por sensível pensamento.
________________________________________
[Seção Os sentidos]
[Gustação]
14.
Sedento da água salgada
neste planalto cerrado,
bastaria-me uma pitada
para eu ficar mareado.
15.
Com fome de litoral
neste Planalto Central,
busco o sal nas lanchonetes
das ondas da internet.
[Olfato]
16.
Deitado na terra quente
penso que minhas narinas
são poços secos, carentes
do cheiro azul das marinas.
17.
Folhas caídas na lama...
Cheiro bom de maresia...
Vive a sulfídrica cama
da síntese de poesia?
18.
O gás de ácido nome
corrói a matéria viva,
ou é o tempo que consome
a matéria reativa?
19.
O vento leva a lembrança
do mangue reelaborando
a matriz da substância
viva, que vai... caminhando!
20.
O vento é o rastro do dia,
o espaço-tempo na via...
Faz piruetas com o ar,
muda o tempo de lugar...
21.
O vento é o rastro do dia.
É o espaço translocado
para o vácuo que seria
por outro espaço ocupado.
22.
O vento é um grande avião,
muda o espaço de lugar:
leva, ao mar, seco sertão
e, ao sertão, frações de mar.
23.
O céu é matéria errante
– apesar das evidências.
Erra quem não tem ciência,
erra quem vive distante...
[Tato]
24.
O tempo molda o momento
segundo a necessidade.
Fibra em morno sedimento
deixa o tempo sem vontade!
25.
Traças descrevem o momento
do tempo e do temporal
nas folhas do sedimento
que cultiva o manguezal.
26.
Feito um íntimo carinho,
a luz dourada descerra
a pele verde da terra
e o vento alisa o marinho...
27.
Noite mal dormida. A vaga
tocando a praia que traga.
É ressaca. É o arrepio
da onda em manhã de frio.
28.
Tateio as curvas da praia
deste rio Aquidauana...
Quase em terras paraguaias
sinto em mim... Copacabana!
[Visão]
29.
Queria ter uma janela
neste céu do Pantanal
para dar uma olhadela
no verde do manguezal.
30.
Nas fazendas alagadas
o saudoso ribeirinho,
com as pupilas mareadas,
busca cavalos-marinhos.
31.
Descortinando a janela
que mostra um seco caminho,
negras retinas são tela
carente do azul marinho.
32.
Vejo nas secas pupilas,
neste tórrido altiplano,
poços de luz – clorofila –
dentro do azul oceano.
33.
Olinda, se você for
num mergulho Salvador
às pupilas dos meus olhos...
cuida os Recifes. Abrolhos.
[Audição]
34.
Com o ouvido ressecado?
É meu desejo melhoras:
recomendo ouvir um fado
nas azuis ondas sonoras.
35.
O derradeiro sentido
a morrer é a audição...
Quero morrer no estampido
grave da arrebentação!
[Sexto Sentido]
36.
Sob a cama de aguapés
deste Mar dos Xarayés
pressinto um pétreo oceano,
morto há seiscentos mil anos.
37.
Há, sempre, portos seguros
depois do horizonte escuro
quando se busca o incontido
clarão do sexto sentido.
________________________________________
[Seção Música]
38.
O mar abriga tesouros
que só compram o que é sublime:
é o primeiro logradouro
das cantigas de Caymmi!
39.
Certas peças musicais
são uma gema, água-marinha:
preciosas, imortais,
já nascem prontas, limpinhas...
40.
Há pérolas musicais
que, de natureza rústica,
nascem em modestos corais,
dentro de conchas acústicas...
41.
De tão nobre, a “Princesinha
do Mar” foi presenteada
com uma pérola criada
por nosso nobre Braguinha.
42.
É no mar que nascem os fados?
Na despedida do amado?
Tão pouco sei! Investigue
a voz de Amália Rodrigues!
43.
Foi do mar que veio a vida,
da evolução comprida:
eras, mil tons, nascimentos,
feito Miltons Nascimentos.
44.
Nasce o mar no pensamento
da cantiga popular,
pela voz do Nascimento,
“quem me ensinou a nadar...”.
45.
Tom procurando paisagens!...
Tom eternizando o Rio
que é mar/avilha, miragem...
a paisagem no cio.
46.
A praia refaz suas cores
nos adornos populares
cantorias e tambores
das congadas de Linhares.
47.
O banzo do mar se acaba
quando as praias capixabas
vestem-se de cores, jongo,
ligando o Brasil ao Congo.
________________________________________
[Seção “Eles passarão. Eu, passarinho”.]
48.
Quisera saber domar
um galope à beira-mar...
Sem esforço elaborar
poesia popular...
49.
Quisera saber voar...
Frente à grandeza do mar
com asas de passarinho
fazer versos miudinhos...
50.
Quisera saber toar,
improvisar meu mundinho,
pôr um martelo miudinho
na cadência deste mar...
51.
Quisera fazer versinhos
com a pena do passarinho
Patativa do Assaré,
na brancura da maré.
52.
Que meus versos mareados
– que se querem agalopados –
apeteçam-se do ninho
do poeta-passarinho.
53.
Disse o bardo do além-mar,
nos seus versos tão precisos:
é preciso navegar
– sim! –, viver não é preciso.
54.
Disse Mário, do Guaíba:
passarão. Eu, passarinho.
Respondeu-lhe rapidinho,
do Assaré: eu, Patativa.
55.
Era a mini patativa
do Assaré – um rio pequeno...
Tornou-se gaivota... altiva...
rumo ao oceano pleno.
(2002)
Nenhum comentário:
Postar um comentário