terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

RETRATO DE FAMÍLIA



 Sobre monografia* de Thaisa Bueno, a quem dedico.

I.
É um processo:
a luz refletida nos corpos
atravessa a curvilínea vidraça
e cai num quarto escuro e diminuto.
Numa fração de tempo menor que uma das letras da
                           [pequena sílaba dita pela cortina que se abre,

eis que o nitrato
— sal de prata deitado numa parede de acetato —
deixa-se banhar pela luz
e se transforma.
Ainda sensível à luz brincante que, insistente, ronda sua casa,
é preciso frear suas emoções,
logo adiante reveladas.

II.
Diga-me num átimo:
há como deter o tempo
se o próprio tempo
é o artífice do processo?

Moléculas modificadas pelo beijo da luz
não são o tempo congelado:
são simplesmente sinais
de cor ou ausência de cor
grafados pelo tempo sem fim.
  
III.
Eis o retrato:
a mulher esguia e loura que fotografa me revela:
o fotografado
não é o ser
mas o que pretendia ser.
É, portanto, objeto abjeto,
papel cheio de intenções. E o cenário
é simplesmente um cenário
da caixa de um teatro.
Mentira ou ilusão?
Farsa ou fantasia?
Aberta a cortina, nada é real exceto nossa consciência.
  
IV.
O paradoxo:
a fotografia surge da reflexão de objetos
— matéria e espaços no tempo —
e só passa a existir se refletida.
Nasce e morre pela luz
— que é matéria, se transformada;
que é onda quando vagueia;
energia, na sinergia com o tempo
e caneta
para escrever photo graphias.
Mas não há luz se não há matéria, espaço nem tempo.
Repito: como congelar espaços e tempos num papel
que nasce e morre pela luz?
Há tempo ou matéria na fotografia?
  
V.
A fotografia:

A cena que tento ver
é o que posso perceber.
Sem estar, sem ser, será:
não ser, não ver, não estar...

Paulo Robson de Souza
(junho de 2004)


_______________

(*) 2004 - Especialização em Imagem e Som 
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 
Título: Olhares Interiores - uma análise dos álbuns de família. 
Autora: Thaisa Cristina Bueno.
Orientadora: Marly Damus.

Sobre a foto: 
(da direita para a esquerda) eu, meu pai Jaime e meus irmãos Welleson e Jairo, 1975.

8 comentários:

  1. Uau, que espetáculo de poema!
    E a somar na minha graphia dessa fotopoema aqui grafada há o espaço tempo da Thaisa memória boa de ter mesmo sem ter.

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    1. Olá Fernando, grato pela consideração ao poema. Belas palavras!

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  2. Lindo! E você consegue escrever com as palavras do mesmo modo como escreve com a luz...tão belo.

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    1. Oi Mari, só agora li seu comentário. Grato pelas palavras de carinho. Animadoras!

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  3. Fiquei encantada. É o relato da beleza do aprisionamento da luz no exato segundo que a photo graphia é registrada. Um poema fotográfico.

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    1. Eugênia!!!!!!!!! Desculpe, vivo me perdendo nesse mar que é a net, só agora respondo ao seu comentário.

      Grato pela consideração de sempre!! Che bella!

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  4. Muito bom, as rimas são esparsas, não pesam tanto. Thaísa foi minha aluna, é uma pessoa e profissional de qualidade. Gostei do encontro.
    Abração conimbricense pros dois.
    Alda

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    1. Alda querida! Desculpe, me perdi na net, só agora lhe respondo.
      Gratíssimo por sua consideração ao poema, um dos que mais gosto. Thais é uma pessoa incrível mesmo! E este trabalho de conclusão de curso (dela) foi muito bonito, inesquecível e... inspirador, e muito!
      Grande abraço!

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