domingo, 16 de fevereiro de 2014

O SARAU CUJO NOME É UMA RIMA



Em 1997 havia uma chamada, em faixas espalhadas pelo centro de Campo Grande, para o Sarau do Zé Geral. Como todo neófito em assuntos zegeralinos, pensei: poxa vida, que pena, erraram o nome do Zé Geraldo. Logo depois descobri que era Zé Geral mesmo! Corruptela do formalíssimo “José Geraldo”? Até hoje não sei.

Zé Geral, artista nato e querido agitador cultural mineiro-sul-mato-grossense. Simples assim. Apaixonado pelos sabores, cores e perfumes da manga e um quase dependente da sombra e da poesia que a mangueira dá, o cantor e compositor de Governador Valadares credita a esta fruta de origem indiana o estabelecimento de suas raízes em Mato Grosso do Sul. Sei bem o que é isto, pois eu atravessaria desertos, montanhas e janeiros para ter o beijo desta voluptuosa drupa. Tanto que, pra mim, manga é o símbolo maior do Natal: quando o rosa surge no verde nasce um novo tempo, promessa de fartura – imagem tão forte que deu origem à bandeira da famosa escola de samba carioca.

Numa entrevista a uma tevê local, acho que na Morada dos Baís, o próprio músico conta essa divertida confusão com o Zé Geraldo, também um cantor e compositor mineiro e seu quase homônimo, e os motivos frugais que o fizeram fincar raízes em Campo Grande. Pela primeira vez soube da sua também divertida composição que dá prosseguimento à história da “Senhorita” (“Minha meiga senhorita, eu nunca pude lhe dizer...”, esta sim, composição do Zé Geraldo!), sugerindo um desfecho para a encantadora jovem depois que a fase apaixonada do casal supostamente teve fim. Logicamente, “Magoada Senhora” só poderia ser uma sátira. Que lástima, quando os hormônios da paixão evaporam do sangue e o tanque de roupas passa a ser a rotina da não mais senhorita! E o Zé conseguiu, com humor, retratar esse choque de realidade. 
Em algum mês seguinte fui conhecer o Sarau do Zé Geral. Era em uma casa quase em frente ao Mercado Municipal. Depois nunca mais voltei; não por falta de interesse nesse evento semanal que considero patrimônio imaterial de Campo Grande, mas por outro motivo, “deslocalização”: não tendo muita sorte com vizinhos, gente de ouvidos muito sensíveis aos carros e burburinhos da portaria – certamente foi por isto, pois gostavam de música, Zé me contou –, o Sarau frequentemente mudou de endereço.


Zé Geral por Fernanda Lima
Brincadeirinha! Não foi bem este o motivo do meu sumiço, pois quem procura... acha até circo mambembe na periferia de megalópoles como a Cidade do México! Bicho diurno que, quando não está no mato está entocado, só ontem, anos e anos depois, voltei ao Sarau do Zé Geral, edição 828. Agora, em um lugar muito aprazível próximo ao Lago do Amor, rua Pasteur 937. Ambiente perfeito: quintal amplo com uma mangueira cinquentenária (de novo, mangas!), palco embaixo dessa árvore, tendo ao fundo uma gigantesca mandala com o yin-yang, feita pela Fernanda Lima, dona de mãos nascidas para o mosaico e os quitutes. Tocaram o Harley Castro, o Vandir Barreto, o próprio Zé e o Miguelito, dos que assisti, mas também deram canja Germano Souza, Evaldenir Amaral (Junior), Cesar Esteves, Raphael Ferreira e Walter Paes. Encontrei a Marcinha Rizzo da Matta e seus filhotes e muita gente sorridente. Até o irritadiço Ted adorou, meu pequeno poodle com alma de pitbull, e um chouchou enxerido que abandonou a dona e nos acompanhou enquanto íamos a pé ao sarau, como se dizendo “esta edição eu não perco de jeito nenhum!”.

O Zé me recebeu com um grande abraço, certamente não se recordando daquele baianinho franzino escondidinho entre outras dezenas de anônimos que estiveram em uma longínqua edição “Mercado Municipal”, mas se lembrando, como me disse, do fotógrafo que o cutuca no Facebook. Zé Geral me contou que este é o 14° endereço do Sarau e, com brilho nos olhos, que dessa vez os vizinhos mais próximos, assíduos frequentadores, pediram para que as apresentações fossem para além da meia-noite, pois a música estava acabando muito cedo! Em paz com os vizinhos, assentado em lugar mágico e tendo o Zé um “que” com o número 14, aposto que este será o endereço definitivo desse ponto de encontro da nata musical da Cidade Morena. Acontecimento cujo nome é uma rima, promete oito horas de artes e cultura todo sábado (das 16 à meia-noite) e anos e anos de poesia. Agora contados pelo frutificar da mangueira que nos trouxe o Zé.
16.2.14

8 comentários:

  1. Que lindo Paulo, Zé Geral é o Mestre do Sarau, não tem o que por nem tirar desta bela crônica.

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    1. Põe mestre nisto!
      Que bom que gostou, Fernanda! É muita responsabilidade! Grato pelo carinho.
      Grande abraço.

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  2. Lisonjeado pela visita honrada... Encantado com a companhia de dois cachorros (o dele e o seguidor) e principalmente, por escolher tão belas palavras para descrever a mim e a minha história em Campo Grande, capital do MS que tanto amo.Muito grato Paulo... Não demore tanto para voltar agora. A casa é sua! Sempre foi, embora o endereço tenha mudado tanto. Sigo fazendo pra mim o que todos acham que faço pela cultura de minha cidade.

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  3. Sua sensibilidade é sempre marcante, meu querido e amado amigo Paulo Robson! Veio no momento certo para o querido e amado amigo Zé Geral, que, apesar das dificuldades, com certeza, proporcionará muitos e muitos momentos culturais alegres e variados com parcerias frutíferas!!! Dois fofos! ;)

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Oi Marcita, meu dengo! Pelo astral que vi naquele lugar, é bom o Zé ir se preparando, pois penso que vai ser o endereço mais bem sucedido, entre os 14 do Sarau.

      Grande abraço. Grato pela carinhosidade, rsrsrs.

      Ah, em tempo: botei um "t" no seu sobrenome, e também o Rizzo. Sobrenome feliz!

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  4. "mocionô mininu aqui" Claro... Já havia lido... Pois você, gentilmente, discretamente e simplesmente me destes o prazer da primeira leitura, no forno... Por isso mesmo, mando diretamente do forno e pegando fogo a letra de mais uma música (saiu agora... 10 minutos atrás e levou dez minutos pra ser construida)

    Quando dizias, sim não era
    Quando dizias sim, não era
    Quando dizias sim não, era
    Quando dizias sim não era.
    Quando dizias sim não era.
    A era se dez ou onze, não importa, importa sim a espera
    Sim! A espera e o não que guardavas. Não! Não guardavas?
    As palavras que guardavas e as que eu pronunciava
    Ah! Quem me dera ter ouvido... Meu amor ou não amor
    Ah! Quem me dera ter ouvido meu... Amor ou não amor
    Ah! Quem me dera ter ouvido meu amor... ou não amor
    Ah! Quem me dera ter ouvido meu amor ou... não amor
    Ah! Quem me dera ter ouvido meu amor ou não... amor...
    Não e nem gemia ou gemia, amada era que deixavas na pia
    nem e não pedias, cedias, iludias, ludibriavas
    e gemia ou não o amor que mandastes às favas
    Quantos pontos, quanta dor me destes e eu amor
    Quantos pontos, quanta dor me destes e eu, amor
    Pronunciava ou não, sem dor ou não, ou sim, sim xingavas
    Ou não? Ou sim, xingava eu?
    Quando dizias, sim não era
    Quando dizias sim, não era
    Quando dizias sim não, era
    Quando dizias sim não era.

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    1. Oi Zé, nesta correria, neste emaranhado da tal teia virtual, só agora, quase 3 meses depois, vi seus dois comentários, sendo um uma letra inédita!!! Quanta honra, esta primazia, letra postada no Caçuá. Agora é voltarmos ao sarau, com cão ou sem cão, para ouvi-la. Abração. Grato.

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