Em 1997 havia uma chamada, em faixas espalhadas pelo centro de Campo
Grande, para o Sarau do Zé Geral. Como todo neófito em assuntos zegeralinos,
pensei: poxa vida, que pena, erraram o nome do Zé Geraldo. Logo depois descobri
que era Zé Geral mesmo! Corruptela do formalíssimo “José Geraldo”? Até hoje não
sei.
Zé Geral, artista nato e querido agitador cultural mineiro-sul-mato-grossense.
Simples assim. Apaixonado pelos sabores, cores e perfumes da manga e um quase dependente
da sombra e da poesia que a mangueira dá, o cantor e compositor de Governador
Valadares credita a esta fruta de origem indiana o estabelecimento de suas
raízes em Mato Grosso do Sul. Sei bem o que é isto, pois eu atravessaria
desertos, montanhas e janeiros para ter o beijo desta voluptuosa drupa. Tanto
que, pra mim, manga é o símbolo maior do Natal: quando o rosa surge no verde nasce
um novo tempo, promessa de fartura – imagem tão forte que deu origem à bandeira
da famosa escola de samba carioca.
Numa entrevista a uma tevê local, acho que na Morada dos Baís, o próprio
músico conta essa divertida confusão com o Zé Geraldo, também um cantor e
compositor mineiro e seu quase homônimo, e os motivos frugais que o fizeram
fincar raízes em Campo Grande. Pela primeira vez soube da sua também divertida
composição que dá prosseguimento à história da “Senhorita” (“Minha meiga
senhorita, eu nunca pude lhe dizer...”, esta sim, composição do Zé Geraldo!), sugerindo
um desfecho para a encantadora jovem depois que a fase apaixonada do casal supostamente
teve fim. Logicamente, “Magoada Senhora” só poderia ser uma sátira. Que lástima,
quando os hormônios da paixão evaporam do sangue e o tanque de roupas passa a
ser a rotina da não mais senhorita! E o Zé conseguiu, com humor, retratar esse
choque de realidade.
Em algum mês seguinte fui conhecer o Sarau do Zé Geral. Era em uma casa
quase em frente ao Mercado Municipal. Depois nunca mais voltei; não por falta
de interesse nesse evento semanal que considero patrimônio imaterial de Campo
Grande, mas por outro motivo, “deslocalização”: não tendo muita sorte com vizinhos,
gente de ouvidos muito sensíveis aos carros e burburinhos da portaria – certamente
foi por isto, pois gostavam de música, Zé me contou –, o Sarau frequentemente
mudou de endereço.
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Zé Geral por Fernanda Lima |
Brincadeirinha! Não foi bem este o motivo do meu sumiço, pois quem
procura... acha até circo mambembe na periferia de megalópoles como a Cidade do
México! Bicho diurno que, quando não está no mato está entocado, só ontem, anos
e anos depois, voltei ao Sarau do Zé Geral, edição 828. Agora, em um lugar
muito aprazível próximo ao Lago do Amor, rua Pasteur 937. Ambiente perfeito:
quintal amplo com uma mangueira cinquentenária (de novo, mangas!), palco
embaixo dessa árvore, tendo ao fundo uma gigantesca mandala com o yin-yang, feita pela Fernanda Lima, dona
de mãos nascidas para o mosaico e os quitutes. Tocaram o Harley Castro, o Vandir
Barreto, o próprio Zé e o Miguelito, dos que assisti, mas também deram canja Germano
Souza, Evaldenir Amaral (Junior), Cesar Esteves, Raphael Ferreira e Walter
Paes. Encontrei a Marcinha Rizzo da Matta e seus filhotes e muita gente sorridente. Até o irritadiço Ted adorou, meu pequeno poodle com alma de pitbull, e um chouchou enxerido que abandonou a dona e nos acompanhou enquanto íamos a pé ao sarau, como se dizendo “esta edição eu não perco de jeito nenhum!”.
O Zé me recebeu com um grande abraço, certamente não se recordando daquele
baianinho franzino escondidinho entre outras dezenas de anônimos que estiveram em
uma longínqua edição “Mercado Municipal”, mas se lembrando, como me disse, do
fotógrafo que o cutuca no Facebook. Zé Geral me contou que este é o 14° endereço
do Sarau e, com brilho nos olhos, que dessa vez os vizinhos mais próximos,
assíduos frequentadores, pediram para que as apresentações fossem para além da
meia-noite, pois a música estava acabando muito cedo! Em paz com os vizinhos, assentado
em lugar mágico e tendo o Zé um “que” com o número 14, aposto que este será o
endereço definitivo desse ponto de encontro da nata musical da Cidade Morena. Acontecimento
cujo nome é uma rima, promete oito horas de artes e cultura todo sábado (das 16
à meia-noite) e anos e anos de poesia. Agora contados pelo frutificar da
mangueira que nos trouxe o Zé.
16.2.14