quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

CRÔNICAS DE ITAÚNAS


1.
Itaúnas, um lugar gostoso de se ver,
delicioso de se dançar

um forró leve, animado
(na ponta do pé só existe lá).
E por isso penso que essa vilinha
no norte do Espírito Santo
é a mais nordestina do litoral sul.

Itaúnas – pedras pretas.
Vi vermelhas, à beira mar,
de um vermelho corado, tinta para a cara dos índios
botocudos de séculos antigos.

Nunca vi tanta areia, tantos grãos errantes
– dunas de mais de 30 metros
que escondem a velha vila
com suas casas brancas e a – sempre – igrejinha
(nem a cruz da frágil torre
denuncia o sítio das casas soterradas!
Mas há um cercado tosco, desses de arame farpado,
como a proteger o céu que se deitava nos seus telhados).

As frágeis dunas guardam, como fortalezas,
em seus vales brancos a água e
as espessas matas de uma restinga exagerada.

É no branco da areia que dá
um coquinho alaranjado
que cai do minúsculo pé
quando bem maduro, bem cheiroso.
Nos dicionários guriri é “buri-da-praia”
mas eu prefiro prová-lo nas areias – e com areia! –
apesar do gosto bom que tem a palavra.

O fruto do cacto da praia é insosso
mas, com otimistas olhos na barriga,
pressenti sabores vendo sua tez vermelho-carmim.


2.
Foi numa tarde, dessas que parecem prolongar
os sonhos enigmáticos da noite anterior,
que vi, após andança pela praia do Riacho Doce,
em direção ao norte, nos limites da Bahia,
dois gansos na beira da maré.
Visão estranha! Até hoje não entendi
porque não morri.

As bandas do Riacho Doce são lindas:
há um rio vermelho-escuro muito bravo – apesar de pequeno –,
talvez devido às pedras roxas que estrangulam sua garganta.
Parece feito de sabão,
tanta substância vegetal traz para o mar,
ofertando-lhe uma vestidura de espumas.
Mas não é dessas espumas que matam, que cortam.
É uma espuma que tem graça, firmeza e encanto
na pele da criança que brinca de esculpir barbas e perucas – minha filha.

Em Riacho Doce
são tantas as cores nas rochas
que se derretem, pastosas, nas quase falésias
denunciando os vários mantos que tem o subsolo
e os veios de águas doces, puras, gotejando dos tetos sobre o sal do mar,
donde bebi sem medo.

As praias moldam diferentes areias, cada qual no seu tempo,
expresso no tamanho dos grãos.
(Nesse lugar se vê com os pés,
e ai de quem caminhar calçado:
perde o prumo também!)

Há um pássaro que canta triste
nas dunas brancas desse lugar
– “sabiá-da-praia”, só poderia ser!,
mesmo não sendo sabiá e nem exclusivo das praias.
Sábio é o povo, impingir o óbvio no improvável,
o consenso nos paradoxos.


3.
E por falar em povo,
vi o ticumbi, com seus homens em filas duplas ou em roda,
dando mergulhos animados com os seus pandeiros em busca da toada,
numa espontaneidade só encontrada na cultura popular.
São caboclos que têm orgulho do que fazem, e cantam por devoção.
Com minha mania de querer achar respostas para todas as interrogações,
pensei que o nome pudesse derivar do bater dos instrumentos:
todos os homens portam pandeiros nervosos mas alegres,
entes autônomos que parecem responder às ordens ou motes
do mestre
condutor da brincadeira.
Melhor continuar sem saber, pois o saber tira a mágica das coisas!,
foi o que me ensinou o poeta.

Há muito pigmento na pele desses homens,
demonstrando que guardam o sol e a ascendência africana.
Mas são ameríndias as feições, o jeito de cantar.
E há espadas que abrem um dos atos,
reiterando a nobreza da representação e,
talvez, a porção ibérica da brincadeira.

Pena que só vi um pedaço
de um ensaio.


4.
Em Itaúnas há helicônias,
há maracujás verdes, há tartarugas
e beija-flores,
e pousada de mesmo nome onde habitam
o amor e a cordialidade sincera.


5.
Em Itaúnas o forró brota de ruas verdes,
dos pátios e bares de tosca construção
e nem a chuva insistente diminui seu calor.

Há bandos de artesãos,
de adolescentes e universitários que dialogam
o convívio sem preconceitos.

E foi O Bando de Maria
quem tomou de assalto uma noite de forró,
apenas uma das muitas que se sucederam.


6.
Mas nem tudo é alegria:
A floresta de eucalipto avança por toda parte
e há lugares em que se planta a quinhentos metros da praia.

É de se perguntar sobre o valor da paisagem nativa
que corre o risco de só existir no papel
– no duplo sentido.
Krajcberg chora. 

(maio de 2004)

2 comentários:

  1. Eu tive lá e é isso aí...
    feliz de mim!
    Mas quem não foi também será feliz
    é só mergulhar nessa cronica
    que você estará "literalmente"lá
    Pois o Paulo Robson capta com sua sensibilidade
    tudo que poucos veem lá...
    ...............................................
    "Por ser de lá
    Do sertão, lá do cerrado
    Lá do interior do mato
    Da caatinga do roçado.
    Eu quase não saio
    Eu quase não tenho amigos
    Eu quase que não consigo
    Ficar na cidade sem viver contrariado."

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    Respostas
    1. Eu nunca lhe agradeci por este comentário tão animador, tão respeitoso à feliz memória daquele lugarzinho delicioso!
      E essa música (acho que uma parceria do Gil com Dominguinhos) é tudo de bom. Ela é a cara da nossa Itaúnas capital do forró (pelo menos no Sudeste creio que seja o polo mais importante da música nordestina), não é mesmo?

      Grato!

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