domingo, 16 de novembro de 2014

O JUMENTO ABANDONADO


(Xote Nordestino)
Música: Raimundo Edmário Galvão
Letra: Paulo Robson de Souza
Intérprete: Paulo André




(clique na imagem para ouvir)

https://soundcloud.com/raimundogalvao-1/jumento-abandonado

Você daria seu cachorro para o açougue
Depois de tanto que ele fez em seu favor?
Um dia o jegue levou o Jesuscristinho
Leva a gente com carinho
Para onde a gente for...


                  (refrão)
                  Apoio o padre, Clementino e Gonzagão
                  O jumento é nosso irmão!
                  Sendo irmão, merece amor.


O Chico disse no jornal, pela TV
Que o jumento é animal de estimação.
É bem verdade, pois o bicho é amoroso
E tem nome, é dadivoso...
É o amigo do sertão.


                  (refrão)

Como é difícil, como é duro de se ver
Pelas estradas o preço da ingratidão
Depois que o “dono” só anda motorizado
O jumento é abandonado
Após tanta servidão.


                  (refrão)

Trocaram o jegue por motoca pra tanger
Da roça as cabras – uma esculhambação.
Nas rodovias crescem atropelamentos?
Botam a culpa no jumento
Os jegues na direção.


                  (refrão)
___________


Arranjos: Maestro Evando Jorge
Gravação e Mixagem: Beko Santanegra

Produção musical: Galvão

terça-feira, 28 de outubro de 2014

C’EST LA VIE, ALINE BRUN


Cinquentenário que sou, é chegado o tempo de perder, numa frequência maior, os amigos bem, bem mais velhos, e os velhos amigos, os ídolos de infância e os sábios e poetas que me fortalecem. Sombras boas que se vão. Cada mês que passa, quase sempre, depois desse “dobrar o Cabo da Boa Esperança”, chega-me a notícia de uma flor que se fecha nos campos do Senhor, como diriam os eufemistas. Mas para este velho professor, o nome disso é morte mesmo, m-o-r-t-e, a indescritível sensação de falência da matéria que nos sustenta e que todos teremos ou vivenciaremos qualquer dia desses. Aliás, “vivenciaremos” é jeito espontâneo de dizer, pois essa dolorosa experiência mais parece o contrário disso.

Contrariando essa lógica, ontem morreu uma querida aluna de biologia dos anos 90, Aline Brun, que há muito não via.  Quando é assim, morrer alguém bem mais jovem que a gente, a vida explodindo de alegria ao se manifestar dentro de um sorriso constante e que deixa marcas (nunca a vi triste!), a tal sensação que derrete o chumbo do nosso coração é bem mais dolorosa. É uma ausência cheia de incredulidade, porque parece contrariar a ordem natural do nascer, crescer, senescer... Porque morre uma arvoreta, alguém que mal deu as primeiras flores, que não teve tempo de semear, por esses campos do Senhor, todo o punhado de bonanças que trazia...
Ainda bem que, para os espécimes de boa-fé, esperançosos e determinados como Aline, basta-lhes deixar única semente para vicejarem florestas.

sábado, 11 de outubro de 2014

A MARCHINHA DO PINGUIM


Autores: Marco Antonio Carstens Mendonça, Júlio Feliz e Paulo Robson de Souza



(Clique na  imagem para ouvir)
https://soundcloud.com/paulo-robson-de-so/a-marchinha-do-pinguim-com-atilla-gomes
Reprodução da página 8 do livro Animais Mais Mais (15x29 cm)

_________________________

Ficha Técnica
  
   Música: Marco Antonio Carstens Mendonça, Júlio Feliz e Paulo Robson de Souza
   Voz e surdo: Áttila Gomes
   Caixa-clara: Julinho Batera
   Apito: Júlio Feliz
   Coro: Marco Antonio C. Mendonça, Adriano Praça, Júlio Feliz e Paulo Robson de Souza
   Tuba e clarinete (em teclado): Otavio Neto
   Mixagem, masterização: Anderson Rocha







domingo, 14 de setembro de 2014

O FADO DA BALEIA-AZUL

https://soundcloud.com/paulo-robson-de-so/o-fado-da-baleia-azul-interprete-paulo-calado


(Clique na foto e ouça a música)

Do livro Animais Mais Mais (com CD encartado)
Música: Marco Antonio Carstens Mendonça
Letra: Paulo Robson de Souza
Intérprete: Paulo Calado
Bandolim: Alexandre Erecê Figueiredo Pacheco (gravação: Estúdio Kaoma, Rio de Janeiro)
Violão, arranjo, produção: Marco Antonio Carstens Mendonça

sábado, 9 de agosto de 2014

NO ADEUS A ARIANO


Paisagem chuvosa

no adeus a Ariano.

Mais um ilustre

que se iguala

a todos

no beijo à terra.


Mais um que

se pulveriza.


Mas Ariano nos deixa um legado

denso como rocha.

Coerente, sequer admitia

um “OK”, o americaníssimo OK, justamente por isto.


Com seu forte sotaque (lembrando personagem de Chico Anísio)

e humor talvez não proposital,

dizia que nossa cultura

é rica demais

para querer mendigar o alheio.

Mais ou menos assim, dizia...


Recife,  24.7.14

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A ÚLTIMA JABUTICABA DA BACIA


 

O que era carne, voz, afagos, sorrisos, olhar e pensamento se foi. O mestre não está mais entre nós. Comeu a última jabuticaba da bacia.

A matéria fisiológica, pulsante, morna e abraçável se foi, mas fica a obra. A lembrança. As inúmeras declarações de amor à vida.  Ficam os ensinamentos.  Porque mestres de verdade não morrem; transmutam-se, afirmou algum dia algum sábio. Rubem não morreu. Transmutou-se.

As lembranças que tenho de Rubem Alves são muitas. Se confundem com minha docência, tão impregnado estou dos seus ensinamentos, que me foram trazidos primeiramente pelo amigo e colega de profissão Hélio Godoy em 1987, na forma de urubus e sabiás. Logo depois veio o também biólogo Erich Fisher falar de frescobol e tênis, desjogos, a não competição, tudo isso em uma reunião de departamento em que saíam faíscas.

Suas belas crônicas nutriram tantas e tantas aulas e discussões que desenvolvi com meus alunos de Prática de Ensino de Biologia dos anos 90, me inspiraram tantas reflexões e resoluções de vida e poemas como Os Reis do Pedaço – que para ele dediquei e fui retribuído com uma carinhosa mensagem por email –, que posso dizer que Rubem vive dentro de mim.

Crônicas como a que aqui faço referência/deferência*, em que Rubem figura a vida em uma bacia de jabuticaba, fruta tão brasileira e cheia de significados para as crianças do seu tempo. É como se Rubem dissesse: quando nascemos ganhamos única bacia de jabuticabas, essas túrgidas e doces frutinhas que vão ser rapidamente consumidas pelo tempo, aproveitemos ou não o conteúdo da bacia. E quando já estamos para lá da metade da comilança dessas dadivosas delícias deitadas na bacia do tempo – como eu estou nesse 2014 –, começamos a fazer a conta de quantas jabuticabas faltam, quantas comemos ou desperdiçamos. Momento mais filosófico não há: mais que saber de onde viemos, o que somos ou para onde vamos, saber o que fizemos durante o caminho, o que fizemos das jabuticabas que recebemos ao nascer.

Só em maio de 2011, quase meia bacia de jabuticabas depois de ler sua crônica, conheci o maior filósofo brasileiro pessoalmente, durante sua palestra no Festival de Inverno de Bonito. Falou-nos do processo de envelhecimento, da necessidade de aceitação da palavra velho, das condições associadas à senescência e outros assuntos. Melhor idade? Não sou da melhor idade, terceira idade, essas bobagens... Sou um velho, disse Rubem mais ou menos assim. Um velho que não se cansa de ensinar, rir e criar, pensei. Nessa manhã, as jabuticabeiras da cidade estavam floridas.

Paulo Robson de Souza
(20.7.14 )
_______________________

* O Tempo e as Jabuticabas

domingo, 8 de junho de 2014

CONSELHOS A UM JOVEM POLÍTICO






A receita é infalível:
pra você sair do chão,
enriquecer sem esforço,
comece com esta lição:
no Brasil, desde o Império
ser político é profissão.


Fotomontagem sobre fotos obtidas da internet (autores não citados na origem)


A moeda principal
desta nobre profissão
são cargos, mais altos cargos,
o poder da indicação.
Pois quem é chefe decide
onde apor o jamegão.
 
Sendo assim, deixe de ser
um amador, tolo, fedelho.
Sendo profissão, precisa
de ambição, ter seu espelho,
fazer carreira, crescer,
seguir estes meus conselhos.



1. Seja aceito!

É preciso ser aceito!
Lamba os pés e beije a mão
(e na foto fique ao lado)
do Poderoso Chefão.
Mas se seu pai é o chefe,
bem mais portas se abrirão.

Agrade seus eleitores
com churrascos e presentes,
pão e circo – bons cabrestos
pra segurar essa gente,
pra que não saiba ou precise
do tal voto consciente.

Muito importante é ser “gente
da gente”, bem solidário;
chame todos pelo nome
(levando sempre um fichário)...
Dê tapas nas costas... Ligue
no dia do aniversário.



2. Seja solidário!

Voto consciente é fala
de padre subversivo!
Ajude os pobres com atos:
alugar um coletivo
pra transportar eleitores,
não é fraude, é incentivo!

Tenha uma ambulância própria
sem que isso dê na vista;
dê serviços funerários
sem deixar nenhuma pista
que, por gerações, os votos
do defunto entram na lista.

Agindo assim, será mais
que um benfeitor: um amigo;
Não tem preço ouvir o povo
dizer o que eu sempre digo:
“Cala a boca! Se mexer
com o doutor, mexeu comigo”.


3. Quem tem amigos, tem tudo

O inimigo de hoje
será seu maior amigo
quando a PF apertar,
um dos dois correr perigo...
Inclusive, está na bíblia:
amai vossos inimigos.

Briga, só de mentirinha
pra animar o eleitorado.
Violência leva a nada...
Então, está combinado:
pra não confundir o povo,
cada qual tenha o seu lado.


4. Conheça o campo da batalha com antecedência

Saiba que o voto é secreto.
Mas tendo a lista completa
dos eleitores do bairro
esta será sua meta:
saber a exata seção
do bisavô à bisneta.

Tendo o número da urna
do eleitor comprometido,
basta conferir depois
a lista dos escolhidos.
Se seu nome não está,
claro, você foi traído!


5. Você é o partido!

Imperativo é dispor
não do partido correto,
mas daquele que garante
sua eleição e... Sem veto!
Pois de boas intenções,
o inferno está repleto.

Se preciso for, alugue
uma legenda, um “nanico”.
Esses partidos de araque,
que vivem de paparicos,
por cargos, 30 dinheiros,
limpam até seu penico.

Use a lei em seu favor:
com o horário eleitoral,
fale por todo o partido!
Seja líder! Afinal,
promover sua figura
um “pouquinho” não faz mal.

Troque de agremiação
quantas vezes desejar.
Partido é só um detalhe,
vale o voto popular.
Tenha esta convicção:
o importante é ganhar!


6. A união faz a força

Uns vinte partidos juntos
derrotam qualquer velhaco.
Costure coligações
para garantir seu naco,
porque quase todos são
farinha do mesmo saco.

Ajude a legenda com
cantores, radialistas,
BBBs, celebridades,
mulher "capa de revista"
Bons de votos, levam junto
candidaturas malquistas!


7. Use a verba de gabinete com sabedoria

Depois de eleito use verbas
pra se autopromover
comprando horário nas rádios
que se prestam a oferecer
uma concessão do povo
para lhe favorecer!

Se os seus nobres argumentos
a população não entende,
alugando um bom horário
numa rádio que se vende,
não lhe faltará espaço
pra provar o que pretende!

Sendo assim, você terá
um programa genial
e só seu, todinho seu!
E olha só que legal:
com anos de antecedência
ao horário eleitoral!

Fale de qualquer assunto
pra parecer instruído
não sem dar alô pros cabos
eleitorais travestidos
de lideranças legítimas,
de bondades imbuídos.

Aliás, alugue o quê!!!
Peça uma concessão!
Seja dono de emissora!
Sendo você o patrão,
falarão bem de você
mesmo contra a opinião.

Quando quer o seu apoio,
o governo é seu padrinho.
Não lhe faltarão emendas
para asfaltar seus caminhos.
Liberar mais uma rádio
fica bem mais baratinho!


8. Tenha seu próprio jornal

Outra boa providência
é comprar jornal marrom.
Mas seja gentil, discreto:
pega bem, é de bom tom
“terceirizar”, por agências
pra comprar espaços bons.


9. Atenção à Escola Pública

Imprescindível é manter
uns diretores nas mãos
pois, se forem obedientes,
fazem direito a lição.
Convocados, vão pras ruas
agitar seu pavilhão.

Na direção das escolas,
não deixe o bairro votar
e indique alguém que queira
lhe atender, se sujeitar.
Nos cargos de confiança
você pode confiar!


10. Atenção aos universitários

Pague para ser patrono
de pomposas formaturas.
Há turmas bem baratinhas!
Mas pra esta investidura,
mande alguém! Não se ofereça,
pois será... descompostura!

Seja mais benevolente!
Digo mais: se no decurso
até os preparativos
salvar a “facul”, o curso
de uns três pobres inocentes,
conseguirá seu discurso!


11. Adapte-se!

Absorva os novos tempos,
o desejo popular.
Use palavras da moda.
Fale o que querem escutar.
Seja até ambientalista
se na “ongue” for falar.

Não perca votos por ser
“demodê”, tão exigente!
Tudo pode ser falado
antes do pleito iminente.
Sábio é o camaleão
que se ajusta ao ambiente!

O seu partido perdeu?
Passe a encarar o fato.
Para que largar as tetas?
Saia do muro no ato!
Passe a ser “situação”!
Não queira “pagar o pato”...


12. Quando necessário, seja discreto...

Se o seu plano não der certo,
não desista, candidato:
compre uns votos, desde que
disfarce, despiste o ato
enchendo de presentinhos
os seus eleitores “patos”.

Compre também, disfarçado
de “O Grande Benfeitor”
lideranças do local
as pessoas de valor
oferecendo-lhes cargos
ou a bênção do Senhor.


13. Tenha quatro mil no bolso

Infalível é contratar
2.000 cabos empenhados
em conseguir 2.000 votos
com parentes e cunhados
porque 4.000 elegem
o contratante adorado.

Mas não se esqueça também
de parecer um messias!
Nunca diga de onde vem
o dinheiro da folia...
Dizer que é do próprio povo
não é de grande valia!


14. Ao (seu) povo o que é do povo!

Toda vez que for eleito,
chame os cabos pra assumir
bom lugar no gabinete
pois assim vão lhe servir
de escudo e até de degrau
pra a eleição que há de vir.

Plante um cabo em cada bairro –
por ser tão trabalhador.
Com a verba de gabinete,
não é despesa: é favor
que você dispõe ao povo
dando-lhe seu assessor.


15. Seja pragmático

Mesmo sendo deputado,
aja como executivo!
Peça verbas em Brasília
pra sua base, taxativo.
Emenda dá muito voto,
se parecer donativo...

Se chamado pra assumir
um cargo no Executivo –
mesmo tendo sido eleito
ao Poder Legislativo –,
diga sim, pois afinal,
é para o bem coletivo!

Ah, se você for tocar
polpuda secretaria,
diga que, sendo soldado
do povo, não poderia
recusar este chamado
vindo da governadoria.

Estando no Executivo,
por que ter adversários?
Indique amigos “doutores”,
plante no Judiciário
gente que possa ajudar
a defender seu salário.

Afinal, independência
dos poderes no Brasil
só existe no papel...
E você é tão gentil...
Pra que você separar
o que a política uniu?


16. Quem poupa conquista...

Use sim, sem cerimônia
a verba do paletó
pois quem bem poupa, conquista
o que existe de melhor
que é se reeleger
pra escapar do xilindró.

Porque no Brasil, meu caro,
só vão em cana os coitados.
“Vossa Excelência” merece
foro privilegiado.
O negócio é se eleger,
ser você o próprio Estado.


17. Seja você o Estado!

Faça o povo acreditar
que o Governo é o próprio Estado.
Sim, o Estado é para sempre,
transitório é o votado.
Mas se o povo descobrir,
porá fim ao seu reinado.

Porque, nesta confusão,
entre o Governo da hora
e o Estado, você ganha
das indústrias uns “por fora”.
O amanhã é bem distante!
Cuide somente do “agora”!


18. Governar é construir estradas, atrair fábricas...

Se vierem questionar
seus projetos modorrentos,
diga que são uns xiitas
contra o desenvolvimento!
Corte o assunto, chame os chatos
de comunistas briguentos!

O que o povo quer saber
é que traz pra região,
com seus projetos modernos,
empregos, fábricas, pão...
Que mal tem trazerem, junto,
alguma poluição?


19. Nunca cuspa no prato...

Para o seu bem, não se esqueça
de quem tanto lhe ajudou
a se eleger com folga
e a guardar o que sobrou
renovando os seus contratos
mesmo se a obra acabou.

Seja escudeiro de quem
financiou sua campanha.
Deixe o povo acreditar
que sem dinheiro se ganha
mas não conte pra ninguém
como se dão as barganhas.

Pois é justo, está na bíblia:
sirva a único senhor.
Não é pra cuspir no prato
de quem lhe deu tanto amor.
É dando que se recebe
10% do valor.


20. Pense “grande” – sempre!

Se o mandato foi “perfeito”
nunca se dê por rogado:
mesmo aceitando ser vice,
logo será deputado
secretário, senador...
ou governador do Estado.

E não se esqueça, meu rei:
eleição é um negócio!
Mesmo ganhando ou perdendo,
isto é melhor que consórcio!
Sempre sobra um bom dinheiro
pra poder viver no ócio...


21. Terceirize sua campanha

Infle o ego do inocente
oferecendo-lhe glórias,
a grande oportunidade
de vencer, fazer história:
candidate-o a algo
em que é "certa" a vitória.

Faça com que ele acredite
que, afinal, será eleito
montando o seu exército
de amigos, irmãos do peito
desde que fiquem animados
até a hora do pleito.

Mas não conte pro coitado
que no fim da eleição,
o que vale é a legenda,
a tal da equação...
Ganha a cadeira, no fim,
quem montou o esquemão.


22. Pratique o ecumenismo

E não menos importante
é posar sempre de santo.
Visite templos, igrejas,
cubra-se com o puro manto.
Vista a pele de cordeiro,
chore o convincente pranto.

Em alguns templos, fiéis
costumam ser objeto:
seguem o pastor às cegas
mesmo se ele não é correto.
Não se esqueça: é o pastor
o seu alvo predileto.

Conquistado o tal pastor,
tais ovelhas seguirão
até a urna, em silêncio,
para cumprir a missão
de fazer o bem que é
garantir sua eleição!


23. Afinal, quem manda no pedaço?

Jamais deixe que percebam
que o eleito é mandatário,
pois quem manda no pedaço
é você, não uns otários...
O mandato é, por direito,
todo seu, não o contrário!


24. Que atire a primeira pedra quem nunca...

Examine a consciência
quando for “passar a mão”,
pois o homem sempre encontra
convincente explicação
para não se sentir culpado
mesmo se for um ladrão!

Não sinta culpa! Não posso
chamar você de ladrão,
lhe condenar porque tem
de cumprir nobre missão
que é ajudar o próximo
(os seus filhos, tios, irmãos).

Se até Cristo perdoou
o gatuno Barrabás
porque hei de condenar
alguém que rouba mas faz?
Se não fizer, outro vem,
faz melhor e... muito mais!

Safadeza sempre teve!
Desde que o mundo surgiu!
Não há culpa quando o povo
os seus atos consentiu!
Se você se vir culpado,
faz de conta que não viu.

Se for pego, negue sempre
feito traição perfeita.
Mesmo estando todo nu
e sobre a cama desfeita,
a verdade é que não viram
o fato, coisas mal feitas.

(Mas cuidado com estas siglas,
que vivem a pegar no pé:
MPF, PF,
TCU, MPE.
Olho vivo! Fique esperto,
pra não perder seu filé.)

Dane-se Moralidade,
Povo, Ética, Justiça!
Se não fizer, outro faz!
Pois pecado é a preguiça!
Queira o seu mingau primeiro,
seu pedaço de linguiça...

Com tanto imposto na mão
do Governo Federal,
com tanto fiscal “mamando”
com tanta gente imoral,
que mal existe em meter
cinco dedos no embornal...
separar só 10%
para a despesa mensal?


        Considerações Finais

Agindo assim, meu amigo,
será feliz e... com “cobre”!
Chamar-lhe-ão Estadista,
Gênio, O Grande, O Pai dos Pobres...
A sua felicidade
será a minha, meu nobre!

Terá nome em viaduto,
avenida, praça e tal...
Para sempre respeitado...
Felicidade geral!
Morrerá sabendo que
se tornou um imortal!

Ensinando estas lições
para a sua descendência,
filhos, netos e bisnetos
logo tomarão ciência
que o poder é maravilha,
familiar previdência!

O Poder é poderoso
– oh, desculpe a redundância –.
Deixa o “igual” menos igual,
bem mais cheio de importância.
Faz o feio ficar lindo,
asno perde a ignorância.

O Poder tem o poder
de amplificar, sempre, os seus
mais indistintos instintos...
Transforma em rei um plebeu...
Deixa-nos mais elevados,
mais parecidos com... Deus.

Esses são conselhos básicos;
com certeza há outros mais.
Com milênios de vivência,
digo: nunca volte atrás
pois a fila sempre anda...
Assinado: Satanás.
 



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(Veja ao lado como citar este cordel)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

O METABOLISMO DAS COISAS VI – PEDRAS E PRAIAS




Hoje caminhei pela areia fofa e morna da praia. Exalava odores, evidência da atividade bacteriana transformando as coisas de comer e de beber retidas em seus poros.

Em um outdoor perto da praia, exposto um dos versos do famoso poema de Drummond, seccionado ao meio por foto de um granito bruto, campanha ou intervenção artística não assinada. O verso do verso: o reverso. O que o autor da peça pretende dizer com a palavra alheia?

Areia da praia, caminho longo que percorri com gosto. Areia é o fim de toda pedra que se expõe ao vento, à chuva, ao distender–contrair da matéria exposta aos caprichos da temperatura, pedra que acata o romper das amarras que oprimem átomos indomáveis. Se no meio do caminho do poeta havia uma pedra, o tempo dirá que tal pedra se tornará um caminho. Tempo longo, geológico, é verdade; tempo que não veremos. Mas imperativo: toda pedra será caminho, se exposta às intempéries.

No meio do caminho, e em todo ele, havia rocha em pó, diria um poeta geólogo com saudades do mar... enquanto os imensos penedos que fecham os caminhos de Minas sonham em ser praia...

Paulo Robson de Souza
Ilhéus, 8.5.14

sábado, 22 de março de 2014

O METABOLISMO DAS COISAS IV




Para Luiz Bernardino
e Paulo Boggiani


Solos respiram; troncos mortos respiram; folhas secas molhadas, mais ainda. O mundo invisível cumprindo seu papel.

                                                     * * *

O tempo passando no couro esquecido no tempo se torna verde-gris.

                                                    * * *

Estátuas falam. Marcas escavadas na bancada laterítica falam. Por bocas e frestas cavernas ofegantes falam. Pedras dizem coisas que não sabemos ler.

                                                    * * *

No tempo acelerado dez mil vezes mil, rochas mudam de lugar. Movimento pétreo. A respiração ofegante do que se decompõe.

                                                    * * *

O tempo marca de verde tijolos adormecidos. Baixo metabolismo, beta clorofila, nitrogênio fixado... coisas de muro que só sabe reter.


Paulo Robson de Souza





22.3.2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O SARAU CUJO NOME É UMA RIMA



Em 1997 havia uma chamada, em faixas espalhadas pelo centro de Campo Grande, para o Sarau do Zé Geral. Como todo neófito em assuntos zegeralinos, pensei: poxa vida, que pena, erraram o nome do Zé Geraldo. Logo depois descobri que era Zé Geral mesmo! Corruptela do formalíssimo “José Geraldo”? Até hoje não sei.

Zé Geral, artista nato e querido agitador cultural mineiro-sul-mato-grossense. Simples assim. Apaixonado pelos sabores, cores e perfumes da manga e um quase dependente da sombra e da poesia que a mangueira dá, o cantor e compositor de Governador Valadares credita a esta fruta de origem indiana o estabelecimento de suas raízes em Mato Grosso do Sul. Sei bem o que é isto, pois eu atravessaria desertos, montanhas e janeiros para ter o beijo desta voluptuosa drupa. Tanto que, pra mim, manga é o símbolo maior do Natal: quando o rosa surge no verde nasce um novo tempo, promessa de fartura – imagem tão forte que deu origem à bandeira da famosa escola de samba carioca.

Numa entrevista a uma tevê local, acho que na Morada dos Baís, o próprio músico conta essa divertida confusão com o Zé Geraldo, também um cantor e compositor mineiro e seu quase homônimo, e os motivos frugais que o fizeram fincar raízes em Campo Grande. Pela primeira vez soube da sua também divertida composição que dá prosseguimento à história da “Senhorita” (“Minha meiga senhorita, eu nunca pude lhe dizer...”, esta sim, composição do Zé Geraldo!), sugerindo um desfecho para a encantadora jovem depois que a fase apaixonada do casal supostamente teve fim. Logicamente, “Magoada Senhora” só poderia ser uma sátira. Que lástima, quando os hormônios da paixão evaporam do sangue e o tanque de roupas passa a ser a rotina da não mais senhorita! E o Zé conseguiu, com humor, retratar esse choque de realidade. 
Em algum mês seguinte fui conhecer o Sarau do Zé Geral. Era em uma casa quase em frente ao Mercado Municipal. Depois nunca mais voltei; não por falta de interesse nesse evento semanal que considero patrimônio imaterial de Campo Grande, mas por outro motivo, “deslocalização”: não tendo muita sorte com vizinhos, gente de ouvidos muito sensíveis aos carros e burburinhos da portaria – certamente foi por isto, pois gostavam de música, Zé me contou –, o Sarau frequentemente mudou de endereço.


Zé Geral por Fernanda Lima
Brincadeirinha! Não foi bem este o motivo do meu sumiço, pois quem procura... acha até circo mambembe na periferia de megalópoles como a Cidade do México! Bicho diurno que, quando não está no mato está entocado, só ontem, anos e anos depois, voltei ao Sarau do Zé Geral, edição 828. Agora, em um lugar muito aprazível próximo ao Lago do Amor, rua Pasteur 937. Ambiente perfeito: quintal amplo com uma mangueira cinquentenária (de novo, mangas!), palco embaixo dessa árvore, tendo ao fundo uma gigantesca mandala com o yin-yang, feita pela Fernanda Lima, dona de mãos nascidas para o mosaico e os quitutes. Tocaram o Harley Castro, o Vandir Barreto, o próprio Zé e o Miguelito, dos que assisti, mas também deram canja Germano Souza, Evaldenir Amaral (Junior), Cesar Esteves, Raphael Ferreira e Walter Paes. Encontrei a Marcinha Rizzo da Matta e seus filhotes e muita gente sorridente. Até o irritadiço Ted adorou, meu pequeno poodle com alma de pitbull, e um chouchou enxerido que abandonou a dona e nos acompanhou enquanto íamos a pé ao sarau, como se dizendo “esta edição eu não perco de jeito nenhum!”.

O Zé me recebeu com um grande abraço, certamente não se recordando daquele baianinho franzino escondidinho entre outras dezenas de anônimos que estiveram em uma longínqua edição “Mercado Municipal”, mas se lembrando, como me disse, do fotógrafo que o cutuca no Facebook. Zé Geral me contou que este é o 14° endereço do Sarau e, com brilho nos olhos, que dessa vez os vizinhos mais próximos, assíduos frequentadores, pediram para que as apresentações fossem para além da meia-noite, pois a música estava acabando muito cedo! Em paz com os vizinhos, assentado em lugar mágico e tendo o Zé um “que” com o número 14, aposto que este será o endereço definitivo desse ponto de encontro da nata musical da Cidade Morena. Acontecimento cujo nome é uma rima, promete oito horas de artes e cultura todo sábado (das 16 à meia-noite) e anos e anos de poesia. Agora contados pelo frutificar da mangueira que nos trouxe o Zé.
16.2.14

sábado, 15 de fevereiro de 2014

OH RAIOS!

Sábado branco. Da janela do quarto espio a mangueira da vizinha balançando com a chuva forte, cheinha de drupas róseas, convidativas. Tão convidativas que até o termo “drupa” me lembra mordidas, chupadas, caldo escorrendo pelo canto da boca. A murta está florida, pompons de flores brancas e cheirosas. Os pássaros estão alvoroçados, prenúncio de que muitas minhocas darão um rolê no quintal ô bichinhos loucos por chuva, esses de penas.

A chuva insiste. Por precaução, retirei o cabo do note, pois os trovões estão fortes – os raios não aparecem, mas estão aí em cima, pensei. Calculei a distância do raio contando os segundos que se sucederam até ouvir o trovão. Simples – falei para minha filha –, a velocidade do som é de apenas 300 metros por segundo, enquanto que a da luz é de 300 mil quilômetros. O trovão chega bem depois e...
...E a conversa não vingou. Não é que o Manoel tem razão? Muita ciência estraga a poesia.

25.1.14










sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

JANELAS CANSADAS





As janelas da alma estão quase emperradas. Janela de madeira é fácil consertar: você põe óleo, aperta parafusos, lixa, passa cera. Mas vistas cansadas, meu deus, como faze-las dormir se o cérebro não para de dar voltas, e os prazos e pressões de todo tipo dão tiros para o alto a todo momento?



ZENAIDA


A Maria Eugênia Amaral

Manhã de sol muito bonita. A pomba que recolhe ramos no chão é a cara de Dourados. Zenaida, a pomba-de-arribação, ribaçã da famosa música do Gonzaga.
Bichos têm este dom de nos fazer recordar, nos encantar, marcar lugares.
                                     Uma pomba-de-arribação recolhe ramos
                                     ao sol.
                                     Haverá ninho, filhotes,
                                     motivos pra não migrar.

                                     Zenaida, a ribaçã.
                                     Determinando o lugar.
                                     Acordando a manhã.


30.1.14

SEM FIM

                                                                                                      Há que se ter zelo
                                                                                                      astúcia
                                                                                                      cuidado
                                                                                                      ao enfrentar o destino
                                                                                                      sem medo e sem arma...
                                                                                                      Nada levo comigo.
                                                                                                      Nada.

                                                                                                                          
                                                                                                      Jornada (excerto)
                                                                                                      Shirley Brunelli Crestana

Nada levarei comigo
Ao ir desta pra melhor.
Minha sina sei de cor
E de coração eu digo:
O cordão do meu umbigo
Enterraram na celeste
E infinita estrada branca
Feita de pó estelar
É pra lá que vou voltar
Sem títulos, posses, vestes.

Se do pó, do chão nasci,
Sou de barro por inteiro.
Não passa de um atoleiro
Toda a vida que vivi.
Num instante percebi
Que, vendo a Eternidade
Toda grandiosidade
É bobagem, pó da estrada
Simples pulga na manada
Que corre e suja as cidades.