sábado, 31 de agosto de 2013

OS URUBUS SÃO LINDOS!





Tem gente que só enxerga
o que se bota na mesa
só tem olhos para o belo
se esquecendo da dureza
que é limpar toda sujeira
feita pela boniteza.
Não há feio nem bonito
nesta sábia natureza.

O que seria do mundo

se não fossem os urubus
que, para os ignorantes,
são filhos do belzebu?
Saneando, comem o feio
e o belo que deu chabu.
Se beleza não põe mesa,
sua beleza é hors-concours.


“Peraí”, você está rindo?
Já lhe explico. Calma lá!
Toda criação é bela.
Você há de concordar:
cada beleza depende
de cada jeito de olhar.
Dependendo do momento,  
ave mais bela não há!


Veja só o urubu-peba:
tem a cara matizada
predominando o amarelo,
de laranja e azul ornada.
Vendo de perto parece
por grande artista pintada.
Chamam cabeça-de-sola
essa espécie maquiada.

Urubu-peba adulto (Cathartes burrovianus)


Mais esguio e não tão preto
quanto o mais comum da lista
de urubus da minha infância
em Vitória da Conquista,
Cathartes burrovianus
fez de mim sua conquista
(é assim que ele é chamado
pelos nossos cientistas).


lembra o peba na planada
mas sua careca é vermelha
e sua nuca é azulada.
Pelo nome o bicho gosta
de uma carne mal passada.
Mas confesso que não vi
até hoje sua caçada.


Mas sua cor não é tão negra
quanto o azulado chupim.
Tem um voo tão elegante
quanto o pequeno tuim
o dito Cathartes aura
(a ciência o chama assim).
Como é bom vê-lo planar
no disco do Tom Jobim!

No Pará ele é jereba

e no Rio ele é campeiro.
Assim como o urubu-peba,
acha o morto pelo cheiro.
Acredite se quiser:
o distinto cavalheiro
gosta de comer coquinhos
saídos do dendezeiro.


Cathartes melambrotos
Tem a cabeça amarela
de uma palidez inata.
Tem nome nobre – fidalgo
mas não vive de bravatas:
na Amazônia os bichos mortos,
usando o olfato ele cata.

Quem já viu o urubu-rei

no alto céu buscando sal,
nunca mais esquecerá
dessa cena tão real
como eu vi na Bodoquena
em uma tarde sem final.
Sarcoramphus papa! Eis
o seu nome oficial.


Depois do condor-dos-andes
(que aqui não se reproduz)
é o que busca o céu mais alto
e o maior dos urubus.
Num “banquete” há hierarquia
para não virar angu:
come a carniça primeiro,
retalhando o boi zebu.

O refinado ministro
também é o mais enfeitado:
quando jovem é cinza-chumbo
quando adulto é esbranquiçado.
Tem bolotas na cabeça
e os olhos são azulados.
Talvez por se achar um rei
tem um papo exagerado.


é justamente o contrário:
parece que faltou tinta
na despensa do berçário   
pois o adulto é todo preto
mas é branco no fraldário.
Em termos de quantidade
ele é o mais ordinário.

Tão numeroso, parece
batalhão de infantaria
a enfrentar, nos lixões,
carniças e porcarias.
E Coragyps atratus
– ave de grande valia –
é o seu nome de guerra
nos livros de biologia.


Ah! Nos céus da caatinga
dá uma confusão danada:
há um gavião escuro
com barras acinzentadas                  
na sua cauda elegante
como se sinalizada.
É um pássaro? Um avião?
Um urubu na caçada?


Ele é um grande imitador
do planar de um urubu...
Ele é o "super" caçador,
pois assim não espanta a presa
– mimetismo de valor.
Gavião sem-vergoinha,
espertinho predador!

É um gavião bonito,
tem feições elaboradas...
Mas mesmo desengonçados,
com aquela cara lavada,
os urubus são mais belos
pelas vistas desarmadas.
Existe um charme, sei lá,
no mundo da urubuzada!


Ah, se o Tom Jobim pudesse
ver o que vi inda agora:
briga de um burrovianus
com um carcará que chora
por conta de um peixe morto
pertinho do Campo Dora.
No ar deu uns petelecos,
mandou o carancho pra fora.

Dizem que todo urubu
é parente das cegonhas.
Eu bem que desconfiava
pois o bicho é sem-vergonha
dado a levar cururus
na viola com os que sonham
com a “zoofesta” do céu
contada à beira da fronha.  


Urubus têm atributos
que lhes facilitam a vida:
carecas até o pescoço,
mesmo se buscam a comida
nos ventres apodrecidos
das criações falecidas
não se sujam pois sua cara,
naturalmente, é lambida. 


Chega a ser até engraçado
quando vão se alimentar
enfiando sua cabeça
dentro daquele lugar.
Eles começam por onde
nosso pão vai se acabar.
Eis o “papo de urubu”
do ditado popular! 


E na hora do sol forte
antes da vagem rachar
abrem as asas contra o vento
sobre um toco do lugar
como faz toda cegonha
pra poder se refrescar.
Cagam nas próprias canelas
pro calor se dissipar.

Os urubus se comportam
de modos muito diversos:
brigam, xingam ao seu modo,
pela brisa são dispersos.
Fazem piruetas de amor,
no profundo azul imersos...
São tantos comportamentos,
que não cabem nestes versos.


Muito poderia dizer
do “pessoal da limpeza”.
Você também tem um monte
de histórias, sim, com certeza.
É por isso que repito
que beleza não põe mesa.
        Não há feio nem bonito
        nesta sábia natureza.


Do livro Poesia Animal (com Sidnei Olívio), Editora UFMS/ Sterna, 2003.

________________

Nota

Essa quase moda de viola teve como base o livro Ornitologia Brasileira, de Helmut Sick (Nova Fronteira, 1997) e observações de campo. A ornitóloga Adriani Hass gentilmente fez a revisão técnica do poema. 

Saiba mais


urubu-peba (urubu-de-cabeça-amarela): http://wikiaves.com.br/urubu-de-cabeca-amarela
urubu-caçador (urubu-de-cabeça-vermelha): http://wikiaves.com.br/urubu-de-cabeca-vermelha
urubu-da-mata: http://wikiaves.com.br/urubu-da-mata
urubu-rei: http://wikiaves.com.br/urubu-rei
urubu-comum (urubu-de-cabeça-preta): http://wikiaves.com.br/urubu-de-cabeca-preta
Buteo albonotatus (gavião-de-rabo-barrado): http://wikiaves.com.br/gaviao-de-rabo-barrado