sábado, 25 de abril de 2015

EM BUSCA DO OURO... DE TOLO


Prólogo

Dos 398 versos desse “Em Busca do Ouro... de Tolo”, quase 60% (230) foram escritos em agosto de 2006, após passeata no centro de Campo Grande contra a extração ilegal de madeira do Cerrado para a produção de carvão (fotos). O grandioso evento foi organizado pela Dra. Sônia Hess, então professora de química da UFMS, pela ONG Ecoa e outras instituições.

Passados quase nove anos, constato que quase nada mudou na mentalidade e no modo de agir dos que querem impor seu modelo de “progresso” a qualquer custo. Não são muitos, mas são grandes e fortes: são pessoas e corporações que detêm um poder político-econômico tão descomunal que, apenas assinando leis, planos de crescimento econômico, pareceres e contratos, conseguem fazer um estrago irremediável na nossa biodiversidade ― aqui entendida no sentido amplo, para além das listas de microrganismos, animais e plantas*.


Porque o conhecimento que temos da biodiversidade é relativamente ínfimo, considero que o estrago que o “homem sabido” lhe impinge é bem maior que o poder dessas pessoas e coalizões corporativas, muitas delas agindo como monstros acéfalos, uns quase zumbis movidos por corpos indefinidos, pregões e índices econômicos. E, tão grave quanto agredirmos a biodiversidade, é destruirmos parte da cultura e da variabilidade genética da nossa espécie, representada nas populações tradicionais e etnias indígenas, além de suas artes, saberes, histórias e crenças que, não estando nos livros, se perderão para sempre.

Infelizmente, passados mais de 500 anos, ainda somos exportadores de pau-brasil. Sim, a ibirapiranga contemporânea é bem diferente no porte, no aspecto dos ramos e folhas, e o modo de exploração e comercialização do seu tronco e derivados é outro. Mas a essência da prática colonialista imposta à nossa Pindorama para explorar os recursos genéticos, minerais e o conhecimento tradicional desta terra é a mesma. É a mesma raiz!

É disto que trato neste meu mais novo velho cordel, dedicado a dois grandes críticos a esse modelo insustentável e exterminante de exploração do que não foi inventado ou construído por nós. Talvez o cordel mais longo que fiz, para que coubesse parte da minha agonia, só recentemente organizei seus versos em pequenas teses, ideias agrupadas em blocos que podem ser lidos fora de ordem.

Paulo Robson de Souza

25/4/2015

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(*) No conceito amplo de biodiversidade, além das listas de microrganismos, animais e plantas, é preciso considerar todos os percalços e acertos nos processos evolutivos desses seres e os que os antecederam ao longo de milhões de anos, os serviços que prestam aos ecossistemas e a nós mesmos. Além disso, mesmo uma  desprezível tiririca, uma formiga, um caramujo, aqui não são vistos meramente como unidades taxonômicas, mas como espécies que portam incomensurável patrimônio formado de centenas a milhares de unidades, os genes, cada um considerado pequena maravilha interligada a outros genes, atuando de modo coordenado e sinérgico (um ser não é UM ser!); enfim, biodiversidade entendida como um universo de moléculas, seres e processos fisiológicos e biogeoquímicos que nosso limitado conhecimento acadêmico sequer pode contemplar alguns centésimos da sua completa dimensão, pois que oculta nas brumas da ganância. PRS

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EM BUSCA DO OURO... DE TOLO


               Cordel dedicado a Alcides Faria e Sonia Hess



1.                Somos o Novo-velho Brasil Colônia

Eu pensava que essa história
de sermos coloniais
fosse, como o nome diz,
de muitos tempos atrás ―
tempos do Brasil Colônia ―,
mas sei que dura bem mais. 

Expropriam nossas terras,
nossas águas e florestas
pra sustentar as elites
do Norte, consumo em festa.
É a História revivida:
esgotar o que nos resta. 

Só que agora é consentido:
liberdade pura, calma...
Mas é independência falsa:
sangra a terra, vende a alma...
O povo sofre adiante
mas agora bate palmas. 

Pau-brasil contemporâneo
que exportamos sem pensar
entregando a nossa terra
para os povos d’além mar ―
são tantos que nem consigo
nestes versos colocar.  

Pois continuamos sendo
os pobres exportadores
de matéria-prima, bruta,
cheia de suor, de dores...
Somos escravos antigos
mas de modernos senhores. 

Antes era o pau-brasil
à base do “usa e abusa”.
Hoje são os grãos, o mogno,
as ervas que o povo usa...
Vou me deter na cadeia
mineral: no ferro-gusa.  

          (Lógico que eu sei que o ferro
          não é prata, não é ouro
          mas, se transformado em aço
          gera pequenos tesouros
          tal qual sapato de grife
          que nasce de um reles couro.) 

Muitos países menores,
sem solos, águas, sem ferro,
manufaturam a nossa
matéria-prima “no berro”. 
Vendem tecnologias
e o Brasil só leva... ferro: 

quando exportado à metrópole
o metal é burilado
vira marcas, eletrônicos
de alto valor agregado,
vai bruto e volta pra gente
feito ouro... Transformado!

E então, tudo o que se ganha ―
vendendo a matéria-prima ―
se gasta quando importamos
tecnologia fina.
É assim com os eletrônicos,
equipos de medicina... 

Nós vendemos força bruta,
água e solo introduzidos
nos grãos, nas carnes, insumos
brutos, pobres, mal curtidos...
Eles vendem inteligência,
royalties e embutidos! 

Nós vendemos minerais,
paisagens transformadas:
nossos belos horizontes,
nossos solos, as aguadas...
Eles vendem inteligência;
nós... vendemos as burradas. 

Este ciclo terá fim
só com estudo, educação.
Chega de sermos tão bestas,
expropriando a nação.
Só a educação conserta
esta triste situação!





2.        São dois ouros negros! 

Pra formar o ferro-gusa
é preciso ter carvão.
Êta, cadeia danosa
que coloca a mata ao chão!
Uma coisa puxa a outra,
feito corrupto e ladrão. 

A lei obriga que o dono
da mata que põe ao chão
aproveite toda a sobra
da morta vegetação.
Mas tem gente que desmata
só pensando no carvão!

Tem empresário que faz
carvão de mata plantada.
Mas tem gente que só queima ―
por si só ou contratada ―
a vegetação nativa, 
covardemente ceifada. 

E vem dizer que produz
carvão mas, contrariado
por fazê-lo, diz que faz
porque “se sente obrigado”.
Diz que sanitiza os restos
do que fora desmatado.

Cada metro de madeira
que se queima pra carvão
gera problemas aqui
e na longínqua nação.
Perda das plantas, em si,
e bem mais poluição. 

A poluição local ―
que por si só nos faz mal ―
é a ponta do iceberg
da poluição geral
pois o carvão proporciona
desequilíbrio total.

Ao alimentar os fornos
da local siderurgia
cidades ficam cinzentas
e, de fuligem, as vias
respiratórias entopem.
Deixa marrom todo o dia. 

Depois o ferro nativo
segue para outras nações
em navios que poluem
mares, baías, costões
para fabricarem o aço
da cadeia de sujões.

Aço que, para ser feito,
sujará ventos sem rumo...
Aço que entrará nos carros,
máquinas, peças, insumos,
aumentando, assim, nefastos
sonhos de grande consumo. 

Consumo em que o petróleo
tem fundamental papel.
Este é punk. Tão maléfico,
merece um novo cordel
ou ser discutido num
científico painel.


3.        O novo pau-brasil é torto 

Que triste é ver que entregaram
o Cerrado ao estrangeiro ―
nosso raro patrimônio,
desconhecido celeiro ―
Cerrado, berço das águas...
Tororó dos brasileiros! 

Chapadões que beijam o céu...
Veredas, serras douradas
em que árvores dão ouro
na forma de petiscadas...
De onde nascem grandes rios
de buraquinhos de nada! 

Sem saberem as consequências
de se ter fácil dinheiro,
matam a água ainda na fonte
escondida no palheiro...
Ou derrubam o “mato torto”
que retém todo aguaceiro.

Por se sentirem os senhores
do que brota em seu quintal,
acham que se desmatarem
um pouquinho não faz mal,
não se tocando que o “pouco”
vezes mil é colossal.

Cada nascente que morre
nos coloca num atoleiro:
córregos assoreados
vão matar um rio inteiro
como o grande São Francisco,
rumo ao fluxo derradeiro. 

Uma coisa puxa a outra:
se exterminarem o pouco
do que restou do Cerrado,
por causa de uns poucos moucos
todo um povo sofrerá
e o Brasil vai ficar louco! 

Depois que o ciclo acabar,
que lição ou que legado
deixaremos às crianças
que dependem do Cerrado
para crescerem, felizes,
num sistema equilibrado? 

Que vale a pena matar?
Que é bom matar nascentes?
Que pra ser rico é preciso
cheirar, beber poluentes?
Que não é preciso ser,
tem que ter para ser gente?






4.               Os vendilhões de Pindorama e coletores do quinto vivem!

Coitado de quem se ilude,
vende a alma para ter
30 dinheiros, conforto,
em troca de um parecer...
Ai de quem, burlando as leis,
faz vegetação morrer. 

Coitado do servidor
que, a um projeto voraz,
dá um parecer correto
mas, por pressão, volta atrás.
Perdoa, oh Pai, o infeliz.
Ele não sabe o que faz. 

Pobre do financiador
que, para crescer, lucrar,
empresta a qualquer sujeito
sem regras, sem se importar
se o tal empreendedor
a terra vai detonar. 

Como é doloroso ver
políticos deformados,
vereador ignóbil,
governador, deputado...
não saberem a diferença
entre governo e Estado. 

Infeliz do mau político
que, visando se eleger,
suprime a verdade, engana
a serviço do poder
e vende o que não é seu:
a vida, o alvorecer. 

         (Mais doloroso que ver
         um prolífico lobista
         vender ilusões ao povo,
         soluções vagas, simplistas,
         é ver o povo aceitando
         mentiras desse egoísta.) 

Pensa ter sabedoria
mas não tem discernimento:
travestido de cordeiro
o “nobre” do parlamento
promove a destruição,
diz que é desenvolvimento. 

E o povo cai na conversa,
na sapiência “profunda”
e, uns vinte anos depois,
vê que sua vida afunda.
Sem colheita, o lavrador
leva um grande pé na bunda, 

e o velhinho que vivia
na várzea, bem sossegado
vê que o tal loteamento
         (promessa de deputado!),
feito sem qualquer estudo,
deixa o seu lote alagado.

Pasmo, o grande agricultor
vê o planalto doente...
         (Porque lhe ensinaram que
         o que vale é o presente,
         destruiu, com agrotóxicos,
         os serviços do ambiente.) 

E porque aprendeu que para
ter mais grãos na superfície
precisa deixar a terra
na mais completa calvície,
assoreou, inundou
as fazendas da planície. 

Desolado, o produtor
das riquezas do Cerrado
olha pra trás e... O que vê?
Vê que o “ouro” cultivado
é só pirita, pois foi
mais da metade torrado
em juros, taxas e impostos
pra sustentar deputados, 
bancos, governos, lobistas
e servidores comprados
que comeram o que plantaram
em solos...
         contaminados!






5.                Yes, temos ouro verde (uma coisa puxa a outra, mesmo!)

É inconcebível agirmos
como pragas, gafanhoto
que devora a mata inteira ―
destruindo até o broto ―,
para pilhar novas terras,
deixando o terreno roto. 

É mais cômodo esgotar
a opulência do chão
do que ficar pra manter
a saúde do torrão.
Que se dane o amanhã!
Esta é a opinião 

de muitos que têm, de sobra,
o poder de decisão.
Para que plantar florestas
pra ter o próprio carvão,
gastar tempo e ter trabalho
quando tudo está à mão? 

Mas o que vive atolado
dentro desse pensamento
cômodo e imediatista
de achar que o seu sustento
não depende de mais nada,
é mais burro que jumento. 

Provavelmente, opulento
e mais rico morrerá.
Porém, o seu descendente
vai comer o que sobrar:
certamente, de lembranças
e de vento viverá. 

Ai de quem só pensa em cifras,
no conforto imediato
no centro do seu umbigo
sem se importar com os fatos...
Amanhã terá o troco,
consequência dos seus atos. 

Esgotada a natureza,
não há mais o que fazer.
Desmatador, empresário,
dono, peão e você
vão querer trocar seu ouro
por um prato, e não vai ter! 

Fim das matas, fim dos seres
que serviços prestam ― a lida
que não daríamos conta:
         os micróbios adubando
         as formigas reciclando
         cutia e gralha plantando
         abelhas polinizando...
         bichos que combatem pragas...
                  no fim, produzem... comida!
Plantas que nos guardam a água...
         e toda a base... da vida!




6.                O mercado de ilusões vende “liberdade”

Liberdade é ter, poder
trocar o top aparelho
por outro a cada três meses.
Que felicidade! O espelho
contemporâneo faz tudo:
faz cafuné... Dá conselho! 

Felicidade é ter ouro,
tênis, jeans, carro elegante,
comprar coisas vãs, supérfluos...
É beber refrigerante!
Felicidade se compra
numa esquina, a todo instante, 

sem se dar conta que, assim,
deste modo consumista,
o planeta é devorado
diante das nossas vistas
mesmo em países que formam
o bloco socialista. 

As grandes corporações
agradecem, do outro lado,
cada centavo que gasto
por estar conectado...
Cada celular que logo
         (logo será descartado), 

cada roupa que descarto,
cada químico comprado...
Felicidade é gastar!
“É só um pouco, abestado!”
Nessa “poupança ao contrário”
o planeta é devastado. 





7.                Vivemos o Neocolonialismo

É por isso que repito
com vergonha e triste dor:
produzir a qualquer custo,
não tem lá qualquer valor.
Somos um Brasil Colônia
que pensa que é produtor
de riquezas, de alimentos
e é seu próprio senhor. 

Mas quem manda é um sistema
de coisas, sequer tem cara
ou país... Sequer tem nome,
mas por dinheiro tem tara.
“Grande Irmão” vende ilusões
em troca de coisas caras:
a sustentabilidade,
nossa natureza rara. 

No fundo somos escravos
de um mercado “livre” injusto
que quer lucro a qualquer custo
enquanto nos dá centavos.
O Brasil é o sexto, o oitavo
de uma riqueza ilusória.
Nesta matriz predatória,
a justiça é assimétrica.
Sem falar nas hidrelétricas...
Mas isto é uma outra história.




8.                Buscamos o ouro de tolo

No fundo, o que se busca é tempo pra viver
a grandiosidade, eternas sensações...
Pra produzimos muito e conquistarmos tudo
e levarmos mais bens às diversas nações...
Tempo bastante para alcançarmos o céu
escalando ― sem dó ― montanhas de cifrões.

Contudo, o tempo é grandeza relativa:
o tempo absoluto, o tempo dos bufões...
O tempo dos humanos nada representa
na história da Terra e das constelações.
E tudo o que for feito como um “grande feito”
será lembrado só por... duas gerações! 

Não há felicidade pura, verdadeira
à custa de terceiros... Sendo um egoísta...
No tempo do Universo, tudo está ligado.
Na luta desigual, não há grande conquista.
Se o ouro é muito fácil, algo de errado tem...
O brilho muito intenso faz cegar as vistas... 

Então, o que nos resta? O futuro entregar
às implacáveis mãos do monstro imperialista?
É bom que a Terra esteja azul quando a deixarmos
e as novas gerações jamais dela desistam.
Sabedoria é ver o valor da pirita
(o brilho muito intenso faz cegar as vistas).


             Paulo Robson de Souza