Deixe o terminal morrer!
Pra que tanto sofrimento?
Nesta vida existe um ciclo
a ser cumprido a contento.
Não há por que prorrogar
a data de vencimento.
Todos temos nosso tempo,
um prazo de validade.
Nosso tempo de existência
não depende, não, da idade!
E o anjo bom da velhice
bem reforça essa verdade.
Em verdade, o que acontece
é que, logo após nascer,
já começa o tique-taque
do relógio do viver.
Cada segundo que passa
lembra a hora de morrer.
Quando for chegando a hora
da partida natural,
aceitemos de bom grado,
com resignação total,
se nossa curta existência
não foi à toa, banal.
Quisera ter sido digno
de ter uma existência bela,
cheia de realizações,
de combates às mazelas,
abrindo portas bem largas...
Abrindo ao sol as janelas...
Quando, ao fim, tiver dobrando
o “Cabo da Boa Esperança”,
quero sorrir, bem tranquilo,
bem velhinho, bem criança...
e dizer: pra que chorar?
Não é melhor uma festança?
Sim!, não se deve chorar.
Ao confessar que vivi ―
como bem viveu Neruda ―,
o motivo é para rir
porque não é todo dia
que a bonança nos sorri.
Partir com dignidade,
dar razão à natureza
por saber que a eternidade
só se vive na Beleza.
O imortal sofreria
de tanto tédio e tristeza,
ao ver que a graça da morte ―
da boa morte, diria ―
é haver a sucessão
de vivências fugidias,
engendrar novas histórias,
germinar filosofias.
A Terra seria um inferno
se fôssemos imortais:
não haveria comida,
mas filas descomunais
de imortais mortos de fome
por haver gente demais.
Além disso, se insistimos
na boa morte adiar,
no fundo o que mais queremos
é mais um tempo ganhar,
dizer o que não dissemos
ou não quisemos falar.
É egoísmo querer
que um corpo enfermo conforte
nossas angústias latentes
que viriam no post mortem.
Bem fez o Papa em não ir
ao hospital, a pedir
que adiassem a sua morte ―
falo aqui da boa morte,
natural, sem desrespeito,
o descanso merecido
para quem não tem mais jeito.
Falo, enfim, do fim honroso
pra quem vegeta num leito.
Mesmo sem acreditar
na vida espiritual,
na nossa reencarnação
ou na existência do umbral,
despedir-se sem ter medo
nem do Juízo Final.
Despedir-se em paz e crente
que conheceu paraísos,
que teve o apoio de anjos
de carne e osso e sorrisos,
que traçou o seu destino
e fez o próprio juízo.
É a morte natural
a sucessão da velhice.
Implorar milagres médicos
nesses casos é tolice.
Chame, então, um psicólogo
ante uma grande sandice.
Sendo um terminal, quisera
escolher o que ora digo:
morrer em casa, feliz,
de bem com a vida e comigo,
tendo a morte como um fim
natural ― não um castigo ―,
ao lado dos meus parentes,
dos meus mais caros amigos...
Estando desenganado,
rogar por serenidade ―
que meu ciclo se complete
dando oportunidade
para as novas gerações,
renovando a Humanidade.
E, sorrindo, relembrar
dos meus melhores momentos,
e dar “tchau” ainda dizendo
aos presentes ao evento
que “eutanásia” é essa morte
serena, sem sofrimento.
(Cordel de abril de 2005;
Foto: Parque das Nações Indígenas, Campo Grande, 2009)