sexta-feira, 26 de junho de 2015

HYMENOPTERA IV



Formigas: graça.

Castas nada castas –
Para agir e confundir.
Feromônios como olhos:
E o trabalho que todos veem é apenas uma vírgula da sua história.

 



Paulo Robson de Souza
22.01.14
(Da série Poesia Todo Dia!)
 
 
 

MAIA


 Para Rogério e Célia Silvestre
 

Por alguns dias a pequena Maia esteve em nossa casa. Já havia me esquecido de como é lindo um sorriso, o jeito embolado do falar de uma criança que ainda não completou três anos. A alegria desta casa extrapolou os muros, apesar das cercas elétricas que nos impuseram os vizinhos. Até o chato do Ted, nosso cachorrinho poodle avesso a crianças, se encantou com seu jeito curioso de jogar a bolinha atravessadamente, às vezes nele próprio, por falta de mira, de coordenação motora. Penso que o Ted riu dessas boladas acidentais. E do jeito engraçado e carinhoso de ela me chamar de “Pauinho”.

Demos mamão aos sabiás, fizemos banquetes de massinhas, iogurte de verdade, jogo de imitar bichos, pinturas em papel, demos banho no Morfeu (o Cão Maior) e no Ted, que milagrosamente voltou a ficar branco. Com Maia nossa casa ficou mais azul.

Hoje reparei que Maia fala com as mãos. Com os dedinhos apontando para todo lado, caretas e bocas de espanto, dá ênfase a cada sílaba pronunciada. As exclamações estão nos braços escandalosamente abertos e postos para cima das orelhas; as interrogações, inevitavelmente são feitas com a palma das mãos exposta ao sol.  Se é a cara do pai (Danilo) e cabelo da mamãe (Luna), penso que o gestual foi todo herdado do avô Silvestre, italianíssimo. Um mistério para a Ciência, esta herança de gestos de comunicação.

Paulo Robson de Souza (“Pauinho”)
19.3.14
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PS. uma vez disse para uma amiga de origem italiana que, o dia que lhe amarrarem as mãos, ela para de falar...

 

(da série Poesia Todo Dia!)

sábado, 20 de junho de 2015

POESIA TODO DIA!




No primeiro dia de 2005 resolvi escrever todos os dias daquele ano. Dito e feito! Qualquer que tenha sido o tempo lá fora, o meu humor ou o estado físico deste corpo franzino (geralmente, nas horas livres estou um caco!), escrevi diariamente pelo menos um haicai, um verso, uma pequena frase.

Acolhi esse desafio por sugestão do amigo e parceiro de “Poesia Animal” Sidnei Olívio; portanto, o “culpado” dessa quase loucura para quem tem pouca disciplina. O grande poeta biólogo rio-pretense não só me fez produzir literatura bem mais do que conseguira em toda a minha existência – escrevo irregularmente desde os 15 anos de idade –, como proporcionou que eu atenuasse, quase ao nível zero, ansiedade recém-diagnosticada.

Boa parte desses escritos postei neste blog ao longo desses 10 anos (identificados no rodapé pela data da criação), e não mais o fiz pela dificuldade de transcrever dezenas de agendas e cadernetas, ou de localizar os arquivos word com versões supostamente definitivas, trabalho que vai durar anos.
 
Nos 365 dias do ano passado repeti a brincadeira: escrevi uma série de poemas, crônicas, frases e letras de música*. O título desse trabalho não poderia ter sido outro: “Poesia Todo Dia”, uma alusão à página de divulgação científica da bióloga Rita de Toledo no Facebook, “Biologia Todo Dia”.
 
Desta vez, redigi quase todos os textos em computador, em arquivo único (inclusive, títulos em hiperlink, para facilitar sua localização nas 206 páginas resultantes). Além disso, a maioria foi finalizada em poucos dias, diferentemente de 2005, em que rascunhos e “pré-textos” se sucediam.
 
Por causa da facilidade de encontrar esses textos “2014” e de programar a data de postagem no próprio blog, desta vez será assim: até fins de julho publicarei neste “Caçuá”, toda sexta, pelo menos duas das produções do ano passado. Começo com quatro textos: “Sobre a Inspiração”, “Sob Pressão”, “Poema Esquecido” e “Santo de Casa...”. O primeiro revela aspectos do processo criativo; o segundo, frases pretensamente humoradas. O terceiro, uma alusão ao que me motivou a criar este blog. Já em “Santo de Casa...”, conteúdo e forma remetem à tradição da Literatura de Cordel.

Divirta-se!

Foto: Anni Marcela

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* Clique nos títulos abaixo para ler outros textos de 2014 publicados neste blog:


O Jumento Abandonado (com Edmário Galvão)

SOBRE A INSPIRAÇÃO



Girando os cabelos cuidadosamente penteados, a colega olhou para mim e disse: o que lhe inspira? Como faz para escrever? Pensava – continuou – que a inspiração seria o único combustível da literatura.

Respondi-lhe que minha inspiração advém do ato de inspirar mesmo, primo do verbo cafungar – principalmente se a matéria a entrar nas narinas for perfume de mulher, numa alusão ao seu hábito diário de se banhar de cheiros. Ela não riu da bobagem que disse, talvez esperando uma resposta séria ou não se lembrando quão é perfumosa.

Brincadeiras à parte, sua pergunta me fez pensar: descontados os 70% de transpiração de que disse Drummond, de que são feitos os meus escritos?  Se os 30% que restam são, de fato, compostos de inspiração, quais seriam seus ingredientes?

São palavras soltas, rimas, ideias, imagens e tantas outras coisas, quase todas surgidas dos 70% correspondentes ao suor, ao trabalho de lavrar a palavra. É o suor que me abre caminhos à inspiração! Sim, foram diversas as experiências que tive em que nada pensava, nada queria, mas bastou-me esquentar os neurônios em busca de uma palavra, uma rima, uma ideia qualquer, que a inspiração surgiu. Ela vem discreta, quase subliminar e, quando a percebo, já está cristalizada na trama de celulose ou neste ecrã ― quase nunca se revela na mente, como é próprio dos repentistas.

Outra matéria constante na minha fração inspiracional vem de outros mundos, creio. Matéria estelar. Mas essa é outra história, contada em um velho cordel que virou música em parceria com o compositor baiano Eduardo Boaventura na década de 80.


Paulo Robson de Souza

16.12.2014

SOB PRESSÃO

Sob pressão, neurônios entram em curto, e até mesmo o mais experiente dos negociantes compram terreno na Lua.

* * *

A técnica mais besta da história das vendas não é pressionar o cliente. É oferecer o produto ou serviço pelo triplo, aceitar pechincha e “reduzir” o preço à metade. O que custaria 10, é negociado por 15! E a gente, feliz pela mágica dos números, sempre cai nela.

* * *

Dezembro deveria ser o mês com maior índice de infartos. É um tal de “vamos fechar o relatório” praqui, “corre, esse menino” prali, “é para ontem, meu filho!” pracolá, que o coitado do miocárdio se sente mais pressionado que massa de macarrão passando em máquina de nivelar asfalto. É tanto apressamento que me faz lembrar minha mãe, na minha infância na Piabanha, me dizendo depois de me confiar um recado: “eu vou cuspir no chão, moleque. Ai de você se quando voltar e ele já estiver secado. Hum!”.

* * *

No trânsito, a pressão não vem do excesso de veículos nestes anos 2010, mas da idiotice de motoristas que acreditam que furar sinais fará alguma diferença no tempo do percurso. É que o tempo ganho não vale o tempo de um cafezinho.


Paulo Robson de Souza

Dezembro de 2014 

POEMA ESQUECIDO



Um aviso na tela do computador me diz que preciso transcrever um poema que escrevi no meu caderno de campo amarelo.

Sei não, essa insistência que meu cérebro tem de apagar memórias poéticas. Poemas chinfrins, ruinzinhos ─ certamente será isso. Pois eu sequer me lembro do que se trata, poema escrito quando eu estava na Serra da Bodoquena.

Paulo Robson de Souza

19.10.2014

SANTO DE CASA...



1.                   

A gente só tem valor
Pra quem valor sabe dar.
O valor que a gente teve
Só o tempo nos dirá.
Na cidade dos pés juntos
Todo e qualquer defunto
Vira o santo do lugar.

2.                   
O sujeito passa anos
Desenvolvendo um projeto
Bom, que tem valor de fato
E totalmente correto.
Aí vem um descarado
Amigo de deputado
E lhe crava um grande veto.

Ou então contrata um grande
Nome do estado distante
Para o careiro levar
O “seu” projeto adiante...
Porque santo bom só tem
Milagres que lhe convêm:
Construir branco elefante.

3.                   
A cultura brasileira
Tão rica, bela, diversa
É lixo na mão de incultos
Dos que vivem de conversa...
Só presta o que é dos “Esteites”
Mesmo sendo puro enfeite,
Numa atitude perversa.

4.                   
Você está num paraíso
Mas não consegue enxergar.
O Paraíso é de fora
Só é bom o outro lugar.
O que temos nunca presta
Parece que a melhor festa
É do vizinho de lá.

E quem mora lá distante
Entre dádivas, sorrisos,
Olha pra cá e lamenta:
“Vivo aqui no prejuízo...
Que feliz é esse povo!
Queria nascer de novo,
Fruto desse paraíso. ”

 5.                   
Acudiram à sua porta
Gênios da literatura,
Música, dança, cinema,
Teatro, humor, pintura...
Bateram, você não abriu...
Hoje é “puta que pariu!
Que gênio, que formosura! ”

Alguém tanto precisou
Do seu afeto e atenção
Mas você não o enxergou
Não estendeu sua mão...
E vem dizer “eu sabia,
Que ele venceria um dia! ”
Ao vê-lo no panteão.

6.                   
A mulher dele é perfeita.
Tem paciência de Jó!
Transforma jiló em doce
Dá-lhe o que há de melhor.
Mesmo sem saber nadinha
De sua vida, a vizinha
Parece sempre melhor.

7.                   
O marido trabalhou
Feito um jegue nordestino
Pra sustentar a família,
Dar estudos aos meninos...
Juraram que aguentariam
Unidos, superariam
As agruras do destino.

Não enxergando o passado,
E com valores mesquinhos,
Sem reconhecer as lutas
Para construírem o ninho,
Ela diz “estou sem ar”,
Vive sempre a desejar
A condição do vizinho.

8.                   

Não acolheu o filhote...
Quando ele mais precisou,
O entregou à própria sorte.
Omisso, não o educou.
As ruas fizeram a festa,
Lhe ensinaram o que não presta
E se perdeu... desandou!

9.                   
Tudo o que seus pais sabiam,
Lhe ensinaram com vontade.
Mas desprezou seus valores
Renegou tanta bondade...
E agora vive postando
No Facebook, chorando:
“Oh meus pais... Ai que saudade...”

10.               
Esnobou a amizade
Sincera, a mais verdadeira
Se voltou ao próprio umbigo
Se enfiou na geladeira
E agora que ela está só
Até o espelho tem dó
Dessa infeliz choradeira.

11.               
Quem lhe quer tem sua ausência
Quem lhe tem, todo o ignora.
Dando pérolas aos porcos
Segue pelo mundo afora.
Quem espera algo de alguém
Não sabe o valor que tem:
Prefere levar espora.

12.               
No fim, quando a dor da ausência
De gestos, de amor, de sorte,
Do tempo e as coisas perdidas
Fizerem no peito um corte,
Saberemos o que presta!
No fim, uma verdade resta:
A verdade vem com a morte.


Paulo Robson de Souza

18.12.2014

quarta-feira, 10 de junho de 2015

FRASES SOLTAS



Três aniversários de pessoas queridas em três dias seguidos: 10 de novembro (Deise), 11 (Marco Antonio) e 12 (Lenir). Três festas, três graças num só coração. Mas, principalmente, três chances de não me esquecer de aniversário de pessoa querida.

*   *   *

Hoje reli algumas dessas frases que fiz há alguns meses, quase todas por mim esquecidas. “Frases Soltas” é o título dessas inconfluências. Ri de mim mesmo, da minha alternância de humor, da minha felicidade em encontrar um jeito trôpego e descomprometido de falar verdades. Frases soltas, ora essa...

*   *   *

Na sala ao lado acadêmicos botânicos discutem professoralmente as verdades científicas. Se lembrassem, meu deus, da relatividade desses achados, seriam menos enfáticos, menos crédulos e apaixonados. Parariam mais vezes para um cafezinho, coçar estigmas e ovários.

*   *   *

A festa de ontem foi muito boa: pensei que era cantor, pensou que cantava pra ela, pensamos que formávamos uma dupla, pensaram “vamos colaborar com esses dois palhaços cantando juntos”...

*   *   *

Gosto do cheiro de naftalina. Lembrança de roupa domingueira, lembrança de festa...

*   *   *

Hoje contrabandeei chocolate aos pedaços para o laboratório. Feio (daqueles de um quilo) mas gostoso. Tal qual mocotó, sarapatel e buchada de boi (juro! a de bode é mais bonitinha).

*   *   *

Quantos dias faltarão para eu completar este desafio de escrever diariamente? Acho que vou sentir falta disto, pois toda loucura tem seu tempo de Napoleão.

*   *   *

Hoje combinei comigo: Sidnei foi quem sugeriu essa “loucura” de escrever todos os dias do ano – repare leitor, não é “em todos os dias do ano” –, Sidnei será o padrinho dessa história. Aliás, patrocinador. É mais chique. Mais apropriado às loucuras.



11/11/2005

CASCAS DE PONKÃ


De cascas de ponkã fiz uma geleia "indescritível" – foi como a descrevi ao entregar o pote ao casal de amigos, anunciando-a solenemente e por meio de uma autopropaganda deslavada. Desse modo. Caracterização ambígua mesmo.

Pus a casca róseo-laranja a fermentar durante cinco dias, trocando a água diariamente. Uma pitada de sal, açúcar só no final (pouco), algum cuidado para não queimar o fundo e nenhuma pressa. Dona Lola – a bem da verdade –  foi quem adicionou o açúcar e finalizou o produto. Nem uma lasca de canela, nenhum dente de cravo, nada. Nada mais do que a matéria orgânica desprezada.

Mais doce que o resultado desse empreendimento culinário foi o sorriso dos amigos presenteados.

Impregnado dessa emoção compartilhada, ensaio alguma filosofia de fogão: todo meio de ano milhares de pessoas jogam milhares de cascas dessa pomposa tangerina fora. Lixo que poderia ser transformado num singelo presente manufaturado.

Acho que esse pendor da "tanja" da minha infância para amizades vem de berço: naturalmente pré-fatiada em gomos gulosos, é própria para ser degustada entre amigos. E tangerina madura desnuda denuncia quem lhe tirou as vestes –  êta fruta escandalosa! Com ela, impossível o prazer às escondidas.

Tangerina tem pendores para o prazer grupal.


25/8; 10/9/2005
Foto Paulo R. Souza

CANTO E DESENCANTO




No espelho d’água três saís-andorinha miram seu peito barrado. Fêmeas, carregam um verde-oliva brilhante nas costas. Admiram-se.


Os machos estavam desencantados hoje. Suas vestes cyan e branco desespelharam-se.



*   *   *

Segunda vez em 10 anos que vejo saís-andorinha fêmeas mirando-se na água em uma manhã de sol. Hoje, sabendo o seu nome e sexo, a poética que nutriu a cena revestiu-se de alguma sabedoria. Pelo menos dentro de mim.




19/9/2005 

SEREMOS FELIZES





Amanhã produziremos um show. O primeiro do bairro. Contrataremos Jane, que tocará por uma hora na frente de nossa casa para Marcinha, João, Pedro, Ana e amigos. Os vizinhos serão convidados também. Trarão cadeiras. Poremos tochas, enfeites, palquinho, um mini-spot. A família Siqueira se despedirá do Brasil “em grande estilo”. Cantaremos. Brincaremos. Brindaremos.


Tudo combinado. Seremos felizes. Amanhã.


*   *   *

Só sei que nada sei. Principalmente quando ouço uma certa  mulher amiga minha.



*   *   *

Ontem houve uma janela. Depois de cinco dias brancos a lua surgiu túrgida e Marte nos sorriu. Noite especial, conjunção de astros do céu e da terra.



*   *   *

Não sei onde chegarei com essa história. Entre o cansaço e a indiferença, fico com a teimosia.


setembro de 2005