Girando os cabelos cuidadosamente penteados,
a colega olhou para mim e disse: o que lhe inspira? Como faz para escrever?
Pensava – continuou – que a inspiração seria o único combustível da literatura.
Respondi-lhe que minha inspiração advém do
ato de inspirar mesmo, primo do verbo cafungar – principalmente se a matéria a
entrar nas narinas for perfume de mulher, numa alusão ao seu hábito diário de
se banhar de cheiros. Ela não riu da bobagem que disse, talvez esperando
uma resposta séria ou não se lembrando quão é perfumosa.
Brincadeiras à parte, sua pergunta me fez
pensar: descontados os 70% de transpiração de que disse Drummond, de que são
feitos os meus escritos? Se os 30% que
restam são, de fato, compostos de inspiração, quais seriam seus ingredientes?
São palavras soltas, rimas, ideias, imagens e
tantas outras coisas, quase todas surgidas dos 70% correspondentes ao suor, ao
trabalho de lavrar a palavra. É o suor que me abre caminhos à inspiração! Sim,
foram diversas as experiências que tive em que nada pensava, nada queria, mas
bastou-me esquentar os neurônios em busca de uma palavra, uma rima, uma ideia
qualquer, que a inspiração surgiu. Ela vem discreta, quase subliminar e, quando
a percebo, já está cristalizada na trama de celulose ou neste ecrã ― quase
nunca se revela na mente, como é próprio dos repentistas.
Outra matéria constante na minha fração inspiracional
vem de outros mundos, creio. Matéria estelar. Mas essa é outra história,
contada em um velho cordel que virou música em parceria com o compositor baiano
Eduardo Boaventura na década de 80.
Paulo Robson de Souza
16.12.2014
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