quinta-feira, 2 de julho de 2020

CRÔNICAS DE SÃO LUÍS






C  RÔNICAS DE SÃO LUÍS


Paulo Robson de Souza



   
A Dalva Rego.





1. Olhos de turista
___________________________________


Olhos de turista furtivo não delimitam
a diferença que há entre os azulejos franceses e portugueses que ornam
os casarões de São Luís.
É preciso guia, alguma geometria, mas sobretudo
parar os lumes, deter o tempo.

Olhos de turista não piscam; e câmaras demais lhes atrapalham o gosto, amofinam
o olfato
(o fato de comer com os olhos).

Turista tem olhos na barriga. E seus ouvidos e poros são como
olhos de coruja:
sentem vibrações. Olhos de ouvir; olhos de tatear com as finas penas.

Foi assim, zoiudo, que senti a São Luís do meu desejo

(nascido na adolescência).



2. Cordial
___________________________________


Gentilezas desse povo
surgem em borbotões ‒
estribados que são:
não é preciso pedir,
pois a informação vem de pronto
ante a dúvida evidente, eu postado na esquina, olhar ansioso...
(Esperava Márcia e Beth.)

Diante da pousada desconhecida
aguardando a condução
o dono, de prontidão
nos deu bom dia e entrou
para nos trazer três bolinhos de tapioca ‒
e nem fome tínhamos!

Em São Luís, cordialidade
é a exata expressão
da etimologia do termo.



3. Abestalhado
___________________________________


Na escadaria a placa
“cerveja Véu de Noiva em São Luís só aqui;
a 7,50”.
Corri abestalhado ao balcão
e perguntei se era puro malte e
artesanal...
O rapaz me disse, incrédulo:
não; é cerveja Tal (uma das mais ordinárias)
mas coberta de neve, tão geladinha está.
Sem graça sorri, dizendo dês tá

(sem lhe dizer
que descrição para cerveja
mais bela não há).

Pois a cerveja toda branquinha de neve da foto
Não me sai dos olhos!...



4. Melô do Roteiro Reggae
___________________________________


(Refrão)
Lampiões elétricos
Bicicleta elétrica
Gente mais que elétrica
Reggae em São Luís

Roteiro Reggae na Ilha do Reggae no Brasil
Parte da Praça Benedito Leite, o professor
Cortejo conduzido pelos dançarinos do Saint Louis
Encanta a lua, as ladeiras, as varandas com calor

(Refrão)

Pelas calçadas vejo alegre a linda expressão
Canções de paz são o retrato da gente gentil
Dos casarões azulejados e plantados de verdor
Melôs ressoam pela noite do Bacanga ao Anil

(Refrão)

A radiola toca pedras, faz o povo agitar
As bandeirolas no Mercado fazem São João dançar
Museu do Reggae é conquista desses corações
Dançando reggae coladinhos no Palácio dos Leões

 *  *  *

É pedra no chão
É pedra no ar
Que bonito ver o meu amor dançar
É pedra no chão
É pedra no ar
Sem a rasteirinha do chão tirar

É pedra o chão da rua
Colonial
E a radiola
Sensacional
Sobre a bicicleta
Da gente elétrica

Do reggae em São Luís



5. Vontades
___________________________________


Cidade úmida, vários casarões largados,
vejo minijardins crescendo sobre azulejos
e telhados
e frestas onde a poeira dorme.

As plantas que deitam raízes nesses casarões têm vontade.
As pessoas têm vontade. O ar é propício.

E assim vão vivendo pessoas e plantas
sob o ar úmido da cidade equinocial.



6. Contraditório(s)

___________________________________



O Mercado Central é lúgubre; agônico; um
claustro.
No dizer local, esse está no meio da casa.

Há beleza no feio, se bem observado ‒ sempre há! Mas aquele mercado
é feio feio.
(Embora o ludovicense há de me dizer: “e tu és besta besta”.)

E contraditório:
tem o melhor suco de cupuaçu que já experimentei: leitoso,
macio, odor de manhãs orvalhadas.
E frutos amazônicos que me encheram os olhos.
Isso me basta.



7. Vultos
___________________________________


Às luzes da noite
a serenata que passeia
entre vultos
que assombraram
e espoliaram
essa terra
e a gente anônima que nela vivia.

A história escrita pelos vencedores ‒ sempre.

História não contada,
inda assim é boa de se ouvir e ver.



8. Afinação de tambores
___________________________________


A afinação dos três tambores de crioula é ritual.
Primeiro se acende a fogueira.
Tambores deitados em semicírculo, peles voltadas para o fogo,
é hora de lhes aplicar alguns tantans para encontrar o tom.

Minha irmã Márcia me cita composição gravada por
Alcione, que diz
“Quem ainda não viu
Tambor de ‘criola’ do Maranhão?
Afinado a fogo tocado a murro
Dançado a coice e chão?”

Nunca havia reparado tais versos
que agora têm verdadeiro significado para mim.

Versos ali, vivos, diante dos meus olhos...



9. De cor
___________________________________


Tambor de crioula:
espasmo de cor.
Cord.
Acorde.
Coreiro:
coração.

Pulsar
e
quasar.

Na Fonte do Ribeirão
o coreiro Barrabás[1] me fala da busca do pau oco no mangue,
escolhido com sabedoria e zelo.
Olhos do coração lhe guiam ‒
faz de cor (cordial!)
o ofício que aprendeu com o vento.

‒ A cena me trouxe à lembrança nossa visita à Casa do Tambor de Crioula quando, de prima, vi tambores, coisas e adornos magistralmente descritos. Vi pessoas, por fotos e in vivo (representadas pela moça bonita que nos apresentou esse universo). E agora, ali, o museu vivo, diante dos meus olhos...



10. Três pedidos
___________________________________


Eu pergunto ao homem
sentado na calçada, displicente,
se posso ver o ensaio (do boi no sobrado em frente).
Ele me responde naturalmente:
“Se é ensaio não pode!”

Adiante a arte na pessoa afável
de voz aveludada
tece pulseiras e faixas
de ornar cabeça.

Foi com argumento e
encantamento de cobra
que lhe fiz posar para a foto
com Beth e Márcia
pois na placa ele dizia
“Fotografia?
não tente; não insista”.

Novo leitor de Guilherme de Almeida,
ousei pedir: Sotero, abra meu Caçuá
(não sem antes encomendar uma peia de linhas coloridas
pra minha viola sonolenta
que é para encantar os olhos
de ouvintes desatentos...).



11. Quando conheci o Novilho dos Lençóis
___________________________________


Quando eu estive passeando em São Luís[2]
Eu não sabia que iria me encantar
Com esse Boi que é a mais pura animação
O mais belo batalhão[3]
Belas índias a dançar...
Contagiado por só ver gente feliz
Um cavalinho dá pinotes pelo ar
Mãe Catirina (satisfeita!) é simpatia,
Pai Francisco é alegria!
Os vaqueiros a cantar...

(Refrão)
Novilho dos Lençóis:  [Ééguuaas!] [4]
Vi na saia a branca cor[5]   [Mermão!]
Dos Lençóis do Maranhão...
E a paz cobriu, em manto[6],
O meu grato coração.

[Marminino!]

(repete o refrão mas só com instrumentos mais as interjeições entre chaves)

No palco a locutora fez revelações
Eu não sabia que iria me encantar...
Emocionada, ela disse no Ceprama
O ticão que ela ama
Sua mãe e o seu lugar:
A história, o povo da antiga Miritiba
Abençoada São José do Periá
Lugar que hoje tem o nome de um poeta...
Ela cumpriu sua meta:
Todo o povo entusiasmar!

(Refrão)

[Segunda parte]

O bumbo conseguiu corações sincronizar
O banjo em mim tocou a mais linda harmonia
O passo das areias eu tanto via
Nos caminhos dos Lençóis, no bater do maracá.

E o grave tambor-onça fez-me arrepiar
O sax me soprou a mais linda melodia
O trompete e o trombone eu também via:
Eram o vento nos Lençóis assoprando sem parar.

Paz no meu coração!
Melancolia, corra para lá!
Bumba meu Boi nasceu no Maranhão
E no meu peito ele veio morar... (2x)

[A partir daqui o andamento cai. Cantado quase sussurrando.  Leve fade out]

(Essa toada vai para os brincantes
Os amantes da cultura,
Do Novilho dos Lençóis.
Se fosse vivo, Humberto de Campos
‒ Pleno de literatura ‒
Se juntava à nossa voz.)



12. Quando o invisível desata os olhos
___________________________________


Com a chegada a São Luís me veio a impressão
comum ao brasileiro
de que o bairro feio
fica sempre escondido aos olhos de quem vem.

Passado o tempo, descobri que olhos de turista furtivo – por ser furtivo –
não delimitam
invisibilidades:
os contrastes se enredam
à cultura do lugar...

São Luís
‒ ah, São Luís! ‒

São Luís do meu desejo
de voltar...



Da série Poesia Todo Dia!, edição 2018.







[2] Toada
[3] Conforme Rogério Ribeiro das Chagas Leitão - A Musicalidade do Bumba-boi da Ilha (2018). https://tedebc.ufma.br/jspui/bitstream/tede/2353/2/Rog%C3%A9rio%20Ribeiro%20das%20Chagas%20Leit%C3%A3o.pdf
[4] Procurando por interjeições típicas, a jornalista Dalva Rego, em comunicação pessoal, me afirmou (agosto de 2018) que as interjeições “éguas!” e “égua!” são muito peculiares do Maranhão, assim como “mermã!” (Minha irmã! Minha Nossa!), “marminino!” (Mas menino!) e “arre!” (uma variação do “Arre Égua!”).
[5] Na apresentação que vi em São Luís (22 de julho de 2018), a saia do Novilho era branca. Pensei que fosse uma cor fixa e, por isso, na primeira versão dessa toada, descrevi o branco como cor típica do boi, e em seguida fiz uma associação com a cor da areia dos Lençóis Maranhenses. Mas a Dalva me corrigiu, na mesma mensagem acima: “A saia, assim como o couro do boi, muda ano a ano. Varia de acordo com as homenagens. Este ano [2018], a homenagem foi aos santos católicos. Ano que vem, aos grandes amos da região Munim/Lençóis” [amos são os cantores das músicas do bumba-meu-boi].
[6] Para metrificar, usei “Cobriu em manto” propositadamente, conforme Olhos de Chinesa (2ed), de Eugénia Dobrões (localizado via books.google) e  http://paschoalprimo.blogspot.com/2018/09/esperanca.html





#SaoLuis  #poesiabrasileira #culturapopular #Maranhão#toada #boimaranhense #novilhodoslencois




2 comentários:

  1. Grato por acolher este poema. Devo tudo à cidade de S. Luís e às pessoas dessa cidade poética. Tudo nele, sem exceção, aconteceu de fato. Abraços.

    ResponderExcluir