C RÔNICAS DE SÃO LUÍS
Paulo Robson de Souza
A Dalva Rego.
1.
Olhos de turista
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Olhos de turista furtivo não delimitam
a diferença que há entre os azulejos franceses e portugueses que
ornam
os casarões de São Luís.
É preciso guia, alguma geometria, mas sobretudo
parar os lumes, deter o tempo.
Olhos
de turista não piscam; e câmaras demais lhes atrapalham o gosto, amofinam
o
olfato
(o
fato de comer com os olhos).
Turista
tem olhos na barriga. E seus ouvidos e poros são como
olhos
de coruja:
sentem
vibrações. Olhos de ouvir; olhos de tatear com as finas penas.
Foi
assim, zoiudo, que senti a São Luís
do meu desejo
(nascido
na adolescência).
2.
Cordial
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Gentilezas desse povo
surgem em borbotões ‒
estribados
que são:
não
é preciso pedir,
pois
a informação vem de pronto
ante
a dúvida evidente, eu postado na esquina, olhar ansioso...
(Esperava
Márcia e Beth.)
Diante
da pousada desconhecida
aguardando
a condução
o
dono, de prontidão
nos
deu bom dia e entrou
para
nos trazer três bolinhos de tapioca ‒
e
nem fome tínhamos!
Em
São Luís, cordialidade
é
a exata expressão
da
etimologia do termo.
3.
Abestalhado
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Na
escadaria a placa
“cerveja
Véu de Noiva em São Luís só aqui;
a
7,50”.
Corri
abestalhado ao balcão
e
perguntei se era puro malte e
artesanal...
O
rapaz me disse, incrédulo:
não;
é cerveja Tal (uma das mais ordinárias)
mas
coberta de neve, tão geladinha está.
Sem
graça sorri, dizendo dês tá
(sem lhe dizer
que descrição para cerveja
mais bela não há).
Pois a cerveja toda branquinha de neve da foto
Não me sai dos olhos!...
4.
Melô do Roteiro Reggae
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(Refrão)
Lampiões
elétricos
Bicicleta
elétrica
Gente
mais que elétrica
Reggae
em São Luís
Roteiro
Reggae na Ilha do Reggae no Brasil
Parte
da Praça Benedito Leite, o professor
Cortejo
conduzido pelos dançarinos do Saint Louis
Encanta
a lua, as ladeiras, as varandas com calor
(Refrão)
Pelas
calçadas vejo alegre a linda expressão
Canções
de paz são o retrato da gente gentil
Dos
casarões azulejados e plantados de verdor
Melôs
ressoam pela noite do Bacanga ao Anil
(Refrão)
A
radiola toca pedras, faz o povo agitar
As
bandeirolas no Mercado fazem São João dançar
Museu
do Reggae é conquista desses corações
Dançando
reggae coladinhos no Palácio dos Leões
* * *
É pedra no chão
É pedra no ar
Que bonito ver o meu amor dançar
É pedra no chão
É pedra no ar
Sem a rasteirinha do chão tirar
É pedra o chão da rua
Colonial
E a radiola
Sensacional
Sobre a bicicleta
Da gente elétrica
Do reggae em São Luís
5.
Vontades
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Cidade
úmida, vários casarões largados,
vejo
minijardins crescendo sobre azulejos
e
telhados
e
frestas onde a poeira dorme.
As
plantas que deitam raízes nesses casarões têm vontade.
As
pessoas têm vontade. O ar é propício.
E
assim vão vivendo pessoas e plantas
sob
o ar úmido da cidade equinocial.
6. Contraditório(s)
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O
Mercado Central é lúgubre; agônico;
um
claustro.
No
dizer local, esse está no meio da casa.
Há
beleza no feio, se bem observado ‒ sempre há! Mas aquele mercado
é
feio feio.
(Embora
o ludovicense há de me dizer: “e tu és besta besta”.)
E
contraditório:
tem
o melhor suco de cupuaçu que já experimentei: leitoso,
macio,
odor de manhãs orvalhadas.
E
frutos amazônicos que me encheram os olhos.
Isso
me basta.
7.
Vultos
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Às
luzes da noite
a
serenata que passeia
entre
vultos
que
assombraram
e
espoliaram
essa
terra
e
a gente anônima que nela vivia.
A
história escrita pelos vencedores ‒ sempre.
História
não contada,
inda
assim é boa de se ouvir e ver.
8.
Afinação de tambores
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A
afinação dos três tambores de crioula é ritual.
Primeiro
se acende a fogueira.
Tambores
deitados em semicírculo, peles voltadas para o fogo,
é
hora de lhes aplicar alguns tantans para encontrar o tom.
Minha
irmã Márcia me cita composição gravada por
Alcione,
que diz
“Quem ainda não viu
Tambor de ‘criola’ do Maranhão?
Afinado a fogo tocado a murro
Dançado a coice e chão?”
Nunca
havia reparado tais versos
que
agora têm verdadeiro significado para mim.
Versos
ali, vivos, diante dos meus olhos...
9.
De cor
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Tambor
de crioula:
espasmo
de cor.
Cord.
Acorde.
Coreiro:
coração.
Pulsar
e
quasar.
Na
Fonte do Ribeirão
o
coreiro Barrabás[1]
me fala da busca do pau oco no mangue,
escolhido
com sabedoria e zelo.
Olhos
do coração lhe guiam ‒
faz
de cor (cordial!)
o
ofício que aprendeu com o vento.
‒ A cena me trouxe à lembrança nossa visita à Casa
do Tambor de Crioula quando, de prima, vi tambores, coisas e adornos
magistralmente descritos. Vi pessoas, por fotos e in vivo (representadas pela moça bonita que nos apresentou esse
universo). E agora, ali, o museu vivo, diante dos meus olhos...
10.
Três pedidos
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Eu
pergunto ao homem
sentado
na calçada, displicente,
se
posso ver o ensaio (do boi no sobrado em frente).
Ele
me responde naturalmente:
“Se
é ensaio não pode!”
Adiante
a arte na pessoa afável
de
voz aveludada
tece
pulseiras e faixas
de
ornar cabeça.
Foi
com argumento e
encantamento
de cobra
que
lhe fiz posar para a foto
com
Beth e Márcia
pois
na placa ele dizia
“Fotografia?
não
tente; não insista”.
Novo
leitor de Guilherme de Almeida,
ousei
pedir: Sotero, abra meu Caçuá
(não
sem antes encomendar uma peia de linhas coloridas
pra
minha viola sonolenta
que
é para encantar os olhos
de
ouvintes desatentos...).
11.
Quando conheci o Novilho dos Lençóis
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Quando
eu estive passeando em São Luís[2]
Eu
não sabia que iria me encantar
Com
esse Boi que é a mais pura animação
O
mais belo batalhão[3]
Belas
índias a dançar...
Contagiado
por só ver gente feliz
Um cavalinho dá pinotes pelo ar
Mãe
Catirina (satisfeita!) é simpatia,
Pai
Francisco é alegria!
Os vaqueiros a cantar...
(Refrão)
Novilho
dos Lençóis: [Ééguuaas!] [4]
Vi na saia a branca cor[5] [Mermão!]
Dos
Lençóis do Maranhão...
E
a paz cobriu, em manto[6],
O
meu grato coração.
[Marminino!]
(repete
o refrão mas só com instrumentos mais as interjeições entre chaves)
No
palco a locutora fez revelações
Eu
não sabia que iria me encantar...
Emocionada, ela disse no Ceprama
O ticão que ela ama
Sua mãe e o seu lugar:
A história, o povo da antiga Miritiba
Abençoada São José do Periá
Lugar que hoje tem o nome de um poeta...
Ela cumpriu sua meta:
Todo o povo entusiasmar!
(Refrão)
[Segunda
parte]
O bumbo conseguiu corações sincronizar
O
banjo em mim tocou a mais linda harmonia
O passo das areias eu tanto via
Nos
caminhos dos Lençóis, no bater do maracá.
E
o grave tambor-onça fez-me arrepiar
O
sax me soprou a mais linda melodia
O trompete e o trombone eu também via:
Eram
o vento nos Lençóis assoprando sem parar.
Paz
no meu coração!
Melancolia,
corra para lá!
Bumba
meu Boi nasceu no Maranhão
E no meu peito ele veio morar... (2x)
[A partir daqui o andamento cai. Cantado quase
sussurrando. Leve fade out]
(Essa toada vai para os brincantes
Os amantes da cultura,
Do Novilho dos Lençóis.
Se fosse vivo, Humberto de Campos
‒ Pleno de literatura ‒
Se juntava à nossa voz.)
12.
Quando o invisível desata os olhos
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Com
a chegada a São Luís me veio a impressão
comum ao brasileiro
de que o bairro feio
fica sempre escondido aos olhos de quem vem.
Passado o tempo, descobri que olhos de turista furtivo –
por ser furtivo –
não delimitam
invisibilidades:
os contrastes se enredam
à cultura do lugar...
São Luís
‒ ah, São
Luís! ‒
São Luís do
meu desejo
de voltar...
Da série Poesia Todo Dia!,
edição 2018.
[2] Toada
[3] Conforme Rogério Ribeiro das Chagas
Leitão - A Musicalidade do Bumba-boi da Ilha (2018). https://tedebc.ufma.br/jspui/bitstream/tede/2353/2/Rog%C3%A9rio%20Ribeiro%20das%20Chagas%20Leit%C3%A3o.pdf
[4] Procurando por interjeições típicas,
a jornalista Dalva Rego, em comunicação pessoal, me afirmou (agosto de 2018)
que as interjeições “éguas!” e “égua!” são muito peculiares do Maranhão, assim
como “mermã!” (Minha irmã! Minha Nossa!), “marminino!” (Mas menino!) e “arre!”
(uma variação do “Arre Égua!”).
[5] Na apresentação que vi em São Luís
(22 de julho de 2018), a saia do Novilho era branca. Pensei que fosse uma cor fixa e, por
isso, na primeira versão dessa toada, descrevi o branco como cor típica do boi,
e em seguida fiz uma associação com a cor da areia dos Lençóis Maranhenses. Mas a Dalva me
corrigiu, na mesma mensagem acima: “A saia, assim como o couro do boi, muda ano
a ano. Varia de acordo com as homenagens. Este ano [2018], a homenagem foi aos
santos católicos. Ano que vem, aos grandes amos da região Munim/Lençóis” [amos são os cantores das músicas do bumba-meu-boi].
[6] Para metrificar, usei “Cobriu em manto” propositadamente, conforme
Olhos de Chinesa (2ed), de Eugénia Dobrões (localizado via books.google) e http://paschoalprimo.blogspot.com/2018/09/esperanca.html
Excelente! Fiquei maravilhada!
ResponderExcluirGrato por acolher este poema. Devo tudo à cidade de S. Luís e às pessoas dessa cidade poética. Tudo nele, sem exceção, aconteceu de fato. Abraços.
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