sexta-feira, 24 de agosto de 2018

COMO O JABUTI VENCEU O VEADO NA CARREIRA


1.            COMO O J


Baseado em conto tradicional amazônico
e obra de Luis Câmara Cascudo. Martelo agalopado 
dedicado ao poeta repentista Patativa do Assaré (1909-2002).







Procurando um capim, seu de comer,
um veado encontrou um jabuti.
Perguntando ao quelônio em tupi,
descobriu que buscava o de beber.
Gozador e querendo esmorecer,
o veado falou: “não acredito
que consiga ir ao rio com esses cambitos
tão curtinhos, tão lentos e tão tortos...”
Jabuti respondeu: “eu não me importo
pois, num páreo, sou eu o favorito”.

O veado, com raiva desmedida,
orgulhoso de suas pernas longas,
disse: “vamos parar com essa delonga.
Amanhã apostemos uma corrida.”
Assumindo uma estratégia definida
o pequeno animal disse ao veado:
“Amanhã de manhã! Está marcado!
Combinemos um fácil desafio ―
Quem primeiro chegar ao grande rio,
grande atleta  será considerado.”

Em seguida, na mata, o jabuti
reuniu seus amigos ― aguerridos
jabutis ― todos muito parecidos.
Cal-ma-men-te  lhes disse: “resolvi
enganar o veado no porvir.
Se coloquem escondidinhos na beira
desta mata ao rio Grande, numa fileira.
Fiquem quietos, pra que ele não nos veja.
Amanhã, na largada da peleja
não darei nem um passo, uma carreira.”

Dominando a função de planejar,
Yuatí  lhes falou “será assim:
logo após Suaçu chamar por mim,
o da frente então lhe responderá
(quem ficou para trás se calará).
O veado ― que se diz invencível ―
pensará que sou rápido, intangível.
O ligeiro animal, de tão confuso
rodará mais que porca em parafuso
e, cansado, dirá: Como é possível?

Dito e feito. Valeu o planejado.
Na partida, Jabuti falou assim:
“Correrei bem distante do capim
pois à mata estou acostumado”.
O veado falou: “Tá combinado.
No capim o meu rumo é natural.”
Já na mata, o pequeno animal
avisou aos amigos do início
da corrida com este artifício:
balançando a folhagem de um pau.

E correndo, indo ao paranaguaçu,
o veado, ao gritar U’i Yuatí
(que em tupi quer dizer “Ó jabuti!”)
logo à frente escutava: U’i Suaçu
(Ó veado!) e, de novo, U’i Suaçu...
O veado, no fim fraco e perdido
atirou-se num tronco e foi vencido.
Os amigos, na mata, festejaram
a vitória que, juntos, planejaram
nesta história que ouvi em tempos idos.


Paulo Robson de Souza


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